Pelo menos três casos foram já analisados com base em ferramenta prevista na nova lei.
Uma previsão da nova Lei de Recuperação Judicial começa a ser aplicada pelo Judiciário para barrar pedidos considerados inviáveis. O nome da ferramenta é “constatação prévia” e já foi adotada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), o maior do país, em pelo menos três casos.
Por meio da medida, prevista no artigo 51-A da Lei nº 14.112, de 2020, o juiz consegue verificar, com a ajuda de um perito – com capacidade técnica e idoneidade -, se a empresa realmente tem chances de se recuperar. “Víamos, na prática, muitas sem a mínima chance. Embora possível antes, com a nova lei a constatação prévia ganhou um impulso”, diz Lu
Quando atuou como juiz na 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, o especialista Daniel Carnio Costa adotou procedimento semelhante, com base no Código de Processo Civil (CPC). Chegou, depois da análise formal da documentação, a fazer uma visita a uma empresa e verificar que ela sequer existia, não tinha atividade nem clientes.
Além de Carnio Costa, outros juízes seguiram o caminho da perícia prévia – agora prevista na nova lei. Em 2019, por meio da Recomendação nº 57, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tratou do tema e estabeleceu um procedimento para haver uniformidade em sua aplicação.
Para a advogada Juliana Bumachar, que assessora empresas em recuperação judicial, a medida inibe pedidos aventureiros, de companhias que não tem como se reerguer. Antes da nova lei, porém, uma das questões discutidas era a demora para essa verificação. “O devedor que pede recuperação judicial está precisando urgentemente da medida”, diz.
Em julho, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ-SP manteve decisão que negou o pedido de recuperação judicial feito pela Aquecedores Cumulus Industria e Comércio, com base na constatação prévia. Foi verificada a ausência de “atividade empresarial séria” no local e “evidente inviabilidade” da empresa, de acordo com o processo (nº 104261
A constatação prévia também foi abordada recentemente no pedido de recuperação judicial da Argon Comercializadora de Energias, também analisado pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. A solicitação foi feita por credores, depois de aprovado pela primeira instância o processo de reestruturação (nº 2224440-13.2021.8.26.0000).
Para a relatora, desembargadora Jane Franco Martins, o juiz deve determinar a perícia prévia, e não simplesmente aceitar a recuperação judicial com base em análise meramente formal de documentação. Não seria possível, acrescenta, admitir o prosseguimento do processo sem estudo prévio de viabilidade. Ela destaca que, no caso, a empresa não deu dados
A expectativa de pessoas que acompanham o processo do lado da empresa é que a Argon irá recorrer, já que apesar de a desembargadora citar a perícia prévia, ela não a solicitou, apenas negou o pedido de recuperação reformando decisão de primeira instância.
O instrumento também é criticado por especialistas. Para eles, além de não ser possível ter um laudo de viabilidade, a perícia deveria ser tratada como uma exceção, por atrasar as recuperações judiciais e ser uma intervenção estatal, quando cabe aos credores aceitar ou não o pedido.
Em outro caso, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ-SP também exigiu a constatação prévia. O pedido de recuperação judicial foi formulado por quatro empresas do mesmo grupo econômico – Construtora Kauffmann. Depois de aceito, credores recorreram alegando que as recuperandas abusavam do benefício legal para prejudicá-los (processo nº 2
O relator, desembargador Cesar Ciampolini afirma, na decisão, que não se pode aceitar a recuperação judicial de empresas que não preenchem os requisitos legais e destacou que uma das sociedades do grupo não tem receita há mais de três anos.
Ainda segundo Ciampolini, cabe ao juiz, antes de autorizar o processamento da recuperação, um exame prévio do que a devedora insolvente, ou pré-insolvente, alega. “Ele (juiz) não é um mero carimbador de papéis, que deva mandá-los autuar e, desse modo, remetê-los à deliberação assemblear dos credores, sem exame do que se alega”, afirma.
As empresas podem recorrer dos acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo. O Valor não conseguiu encontrar representantes das empresas para comentar as decisões.
Fonte: Valor Econômico