O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), localizado em Recife, afastou a incidência de PIS e Cofins sobre valores devolvidos por uma montadora a uma concessionária, por meio de uma prática comum no mercado, chamada de “hold back”. Esse é o primeiro precedente de segunda instância, favorável aos contribuintes, que se tem notícias (processo nº 0807864-63.2019.4.05.8100).
Ao adquirir veículos da montadora para revenda, as concessionárias costumam pagar um adicional, que vai de 1% a 1,5% sobre o preço desses automóveis, para um fundo de aplicação administrado pela fabricante. Esse fundo serviria para garantir uma margem de negociação da concessionária com o cliente final. Contudo, tal valor é devolvido às concessionárias, somada a incidência de juros, após um período determinado, conforme a política de cada indústria automotiva.
Essa discussão começou há cerca de dez anos, quando a Receita Federal passou a cobrar PIS e Cofins sobre bonificações dadas pelas montadoras às concessionárias. A partir disso, o Fisco passou a entender que o hold back seria uma espécie de bonificação, considerada pelo Fisco como receita e, portanto, também incidiria PIS e Cofins.
Para os advogados que representam as concessionárias, porém, não se trata de bonificação e não deve haver tributação. Isso porque não há ingresso novo e positivo de valores, mas apenas a devolução de um montante antes pago pelas concessionárias.
Com base nessa tese e com receio da fiscalização, uma concessionária que adquire veículos da Ford resolveu entrar na Justiça, de forma preventiva, para discutir o tema. O advogado Alexandre Goiana, do Andrade Goiana Advogados Associados, que assessora a concessionária, afirma que esse valor pago de hold back é inclusive destacado nas notas fiscais na aquisição dos veículos.
Nesse momento, a concessionária já paga 2,3% de PIS e 10,8% de Cofins – que somam 13,1% – sobre o total da nota (regime monofásico). Por isso, para Andrade, não faz sentido tributar novamente, a 9,25%, quando esse montante é devolvido e não representa acréscimo de receita.
Em primeira instância, porém, a sentença foi contrária à tese dos contribuintes. O juiz entendeu que os valores na sistemática hold back devem ser contabilizados como receita operacional, por não estarem nas previsões legais de isenção fiscal.
A concessionária então recorreu ao TRF. Lá a 2ª Turma foi unânime a favor do contribuinte.
Segundo o relator, desembargador federal Paulo Cordeiro o hold back “é um sobrevalor pago no momento da aquisição do veículo, inclusive indicado de forma destacada, que compõe uma espécie de fundo e é objeto de aplicação financeira, sendo posteriormente devolvido à concessionária”.
Assim, para o magistrado, quando há a devolução desses valores à concessionária, “não há que se falar incidência de PIS/Cofins, exceto em relação à receita financeira do capital retido”. Ele foi seguido pelos demais desembargadores da turma.
Segundo o advogado que assessora a empresa no processo, essa é a primeira decisão favorável proferida por um TRF. Para ele, a decisão traz um importante precedente para o setor, uma vez que os desembargadores se aprofundaram no conceito jurídico do hold back.
Andrade destaca o entendimento de que a devolução dos valores não é bonificação, nem receita tributável pelo PIS e a Cofins. “A Receita Federal tem atuado de forma incisiva para garantir a tributação do hold back pelo PIS e Cofins, realizando operações de fiscalização em massa sobre o tema”, aponta.
Os valores envolvidos são significativos para o setor. No caso, por exemplo, de uma pequena concessionária que fatura R$ 10 milhões mensais e paga 1% de hold back, ou seja R$ 100 mil, seriam R$ 13,1 mil de PIS e Cofins pagos, por mês, na devolução do valor. “São quantias muito altas se fizer o cálculo ao longo do tempo”, diz Andrade.
A decisão judicial é ainda mais importante porque os contribuintes têm perdido a disputa sobre esse tema no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Andrade aponta diversos julgados que favorecem a incidência da tributação (acórdão nº 3403-002.521, acórdãos nº 3301-002.738 e 3301-004.810, nº 1201-001.425, 3301-003.438 e 3302-005.691 e acórdão nº 9303-007.848).
No Carf, a maioria dos julgados não tem feito distinção entre bonificação e hold back, de acordo com o advogado Ivo Lima, do escritório Ivo Barboza & Advogados Associados. Segundo Lima, contudo, nesses casos não se trata de bonificação, mas de um valor pago que será devolvido. “O hold back é uma devolução e essa decisão traz um excelente precedente ao reconhecer isso”, diz
Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) destaca, por meio de nota, que o entendimento adotado na decisão da 2ª Turma do TRF-5 diverge de outra decisão da 3ª Turma da mesma Corte, proferida em setembro de 2020 (processo nº 0819381-02.2018.4.05.8100). Também cita precedente no mesmo sentido do TRF da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, de outubro de 2013 (apelação cível nº 5014845-14.2012.404.7200/SC).
Fonte: Valor Econômico