Precedente protege tabelião de eventual autuação fiscal da Receita Federal
Um tabelião obteve decisão no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, para se blindar contra eventual cobrança de Imposto de Renda (IRPF) sobre valores de dívidas protestadas que o cartório recebe de devedores para repassar a credores.
Pode se tratar da primeira decisão judicial sobre o assunto. A Fazenda Nacional e advogados tributaristas consultados pelo Valor desconhecem acórdão semelhante ao proferido pelo tribunal no mês passado. Cabe recurso.
A insegurança sobre a tributação nasceu há dois anos, quando a Receita Federal publicou uma orientação aos fiscais do país no sentido de que esses recursos devem ser escriturados pelos tabeliães como receita em livro-caixa.
A previsão consta na Solução de Consulta nº 94, publicada em julho de 2020 pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit). Para o Fisco, os valores fazem parte dos rendimentos do trabalho não assalariado dos serventuários de justiça.
Depois da publicação do entendimento, um tabelião de notas e de protesto de letras e títulos do município de Bebedouro, no interior de São Paulo, acionou a Justiça. Obteve sentença favorável com a declaração de não incidência do imposto sobre o montante das dívidas recebidas de devedores e transferidas a quem de direito.
A União recorreu ao TRF da 3ª Região, que manteve o entendimento favorável ao contribuinte. Por unanimidade de votos, os desembargadores da 3ª Turma entenderam que o tabelião é um intermediário e esses recursos não são renda dele porque transitam temporariamente em sua contabilidade (apelação cível nº 5000610-39.2021.4.03.6138).
“Não pode ser acolhido o entendimento do Fisco, constante da solução Cosit nº 94/2020, que os valores de dívidas recebidos pelos Tabelionatos de Protesto e repassados aos credores consistiriam em renda tributável”, afirma o relator do caso, desembargador Nery Júnior.
Em nota ao Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) defende a incidência do Imposto de Renda na hipótese. Afirma que os repasses são “despesas necessárias e usuais ou normais” para o exercício da função de tabelião e de oficial de registro.
Seriam, de acordo com a procuradoria, rendimentos sujeitos ao recolhimento mensal do imposto e dedutíveis, que devem ser escriturados como receita em livro-caixa. “A União acredita fortemente que reverterá tal decisão quando da apresentação do recurso cabível”, diz o órgão.
O advogado tributarista Caio Malpighi, do Mannrich e Vasconcelos Advogados, explica que os tabeliães recolhem o Imposto de Renda na pessoa física, mensalmente, pelo carnê-leão, com alíquota progressiva de até 27,5%.
Por causa disso, o desembargador Nery Júnior aponta, no voto, que a interpretação do Fisco ainda geraria uma incorreta tributação do Imposto de Renda. Isso porque pode haver um descasamento entre o recebimento da dívida pelo tabelião e a devolução do montante ao credor, quando a quitação pelo devedor e a transferência ao credor não ocorrem no mesmo mês.
“A exação do IR incidirá sobre os rendimentos auferidos em cada mês. Portanto, apesar de existir previsão legal para a dedução dos valores repassados, isso poderá não ocorrer no mesmo período de arrecadação, o que causará prejuízo ao contribuinte, sendo que não existe previsão legal para a devolução administrativa da exigência indevida”, diz o desembargador.
Segundo Malpighi, o ponto central da decisão do TRF é o reconhecimento de que esses recursos são de terceiros e que os tabeliães são intermediários nessa operação. “Não sendo rendimento do tabelião não se aplica a regra de ter que registrar no livro-caixa”, afirma.
A Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg) considerou a decisão a decisão acertada. De acordo com Claudio Marçal Freire, presidente da entidade, ao entrarem no tabelionato os valores pagos de dívidas protestadas são repassados aos credores no primeiro dia subsequente ao do recebimento. A determinação está prevista no artigo 19 da Lei nº 9.492, de 1997.
“Sob pena de punição pelas corregedorias de justiça, o que só reforça a absurda interpretação que o Fisco tentava impor, querendo receber tributação dos tabelionatos de protestos de valores que não são e nem ficam com estes”, diz.
Fonte: Valor Econômico