Tribunal entendeu inexistir lei, até 2018, que preveja retenção para o Senar

Um grupo de frigoríficos, distribuidores de carnes e matadouros do Estado do Mato Grosso do Sul obteve, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), decisão que os livram de ter que recolher a contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), que faz parte do “Sistema S“. O peso desse tributo para o setor agropecuário vai de 0,2% a 2,5%.

Vinculada à Confederação Nacional de Agricultura (CNA), a contribuição ao Senar tem como objetivo organizar, administrar e executar a formação profissional rural e a promoção social de jovens e adultos que exerçam atividades no meio rural. Pode incidir sobre o valor bruto da comercialização da produção rural ou sobre a folha de pagamento.

A contribuição é paga por sub-rogação – um terceiro recolhe e a repassa. A cobrança é feita com base no Decreto nº 566/92, o Regulamento do Senar.

Ao analisar a legislação sobre o assunto, porém, a 1ª Turma do TRF-3 entendeu que a contribuição não poderia ser exigida até o início da vigência da Lei nº 13.606, de 2018. De acordo com a decisão, “o Decreto n° 566/1992 não atende ao disposto no artigo 121 do Código Tributário Nacional (CTN) que define que para a responsabilidade tributária exige se a previsão em lel“. E acrescenta: “A determinação legal de sub-rogação [do Senar] passou a existir somente a partir da edição da Lei nº 13.606/2018

Na decisão, os desembargadores também esclareceram que a sub rogação prevista no artigo 30 da Lei nº 8.212/1991 não se refere ao Senar, mas somente à contribuição devida à Previdência Social (processo n° 5001767-72.2018.4.03.6002). Segundo o advogado Daniel Andrade Pinto, um dos representantes das 16 empresas que compõem a Assocarnes, que ajuizou a ação, os produtores rurais alegaram no processo que, embora o Decreto nº 566 seja norma do Poder Executivo, viola o princípio da legalidade “porque apenas lei poderia estabelecer a possibilidade de sub-rogação“.

O setor rural tem muitos autos de infração pendentes sobre o assunto. Isso porque, explica o advogado, o setor deixou ple fazer a retenção tanto do Funrural como do Senar, a partir de 2010.

Naquele ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a cobrança do Funrural inconstitucional (RE 363852). Embora, em 2017, o STF tenha reconhecido a constitucionalidade do Funrural (RE 718.874), a sub rogação não teria sido restabelecida.

Por meio de nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) destaca que o entendimento do TRF livra do recolhimento do Senar os associados da entidade, adquirentes da comercialização da produção rural de pessoa física ou de segurado especial, até a edição da Lei 13.606. Indica ainda que não recorrerá da decisão.

Tendo em vista que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que o regime da substituição tributária para as contribuições ao Senar só foi introduzido no ordenamento jurídico com a edição de lei formal, a União Federal não se insurge em face das decisões que condicionam a exigência de sua retenção, pelo adquirente, até a edição da Lei 13.606/2018“, diz.

A decisão do TRF-3 pode servir de precedente para outras entidades do setor. Segundo Silvio Silveira, presidente da Associação de Frigoríficos de Minas Gerais, Espírito Santo e Distrito Federal (Afrig), que reúne 86 empreendedores do agronegócio da região, é uma “covardia” cobrar o Senar. “A porcentagem é pequena, mas deixaram de cobrar em 2010 e depois voltaram a exigir o pagamento criando um passivo“, afirma. “Somado ao Funrural virou uma divida impagável.

A Afrig é uma das amicus curiae (parte interessada) em uma ação direta de inconstitucionalidade (Adi 4395) que está para ser julgada pelo Supremo e poderá declarar o inciso IV do artigo 30 da Lei nº 8.212/1991 (subrogação) inconstitucional, reforçando o argumento dos produtores rurais,

Para o tributarista Tiago Conde, do Sacha Calmon e Misabel Derzi – Consultores e Advogados, a decisão do TRF-3 é relevante porque traz segurança jurídica a uma categoria que já sofreu muito por causa do Funrural. “E é muito impactante do ponto de vista econômico porque os valores em discussão, somados, ficam estratosféricos.

Em julho, o TRF da 1° Região proferiu decisão semelhante. Mas, no caso, foram beneficiadas as empresas ligadas à Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec). A entidade é composta por 39 empresas do setor no país, responsáveis por 97% da carne negociada para mercados internacionais, entre elas JBS e Marfrig.

A 8 Turma decidiu que a Lei nº 8.315/1991 não prevê o recolhimento por sub-rogação ao Senar dos adquirentes de produtos agrícolas e gado.

Nem mesmo o Decreto nº 566/92, de acordo com a decisão, poderia prever o que não está na lei (processo n° 10174849820184013400).

Apenas após a edição da Lei nº 13.606/2018, que incluiu o parágrafo único no artigo 6º da Lei nº 9.528/1997 (que alterou dispositivos das leis n° 8.212 e nº 8.213, ambas de 1991), é possível a sub-rogação no pagamento dessa contribuição“, diz o relator, Novély Vilanova da Silva Reis.

Fonte: Valor Econômico.