Voto da relatora, ministra Regina Helena Costa, foi contrário à Via Varejo (atual Grupo Casas Bahia)
A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar ontem a possibilidade de pagamento de ICMS-ST (substituição tributária) com créditos do ICMS comum. A sessão, porém, foi suspensa por pedido de vista após o voto da relatora, ministra Regina Helena Costa, contrário ao contribuinte.
O caso em análise é da Via Varejo (Grupo Casas Bahia), que busca reverter decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Lá os desembargadores negaram a compensação por ausência de previsão legal. A decisão da 1ª Turma será a primeira de mérito da Corte sobre o tema.
No recurso, a empresa invoca, em sua argumentação, os princípios constitucionais da não cumulatividade, da vedação ao confisco e da capacidade contributiva e, ainda, a compensação determinada pelos artigos 24 e 25 da Lei Kandir (Lei Complementar nº 87, de 1996).
Os dispositivos dizem que a legislação tributária estadual deve dispor sobre a apuração do imposto e que operações de compensação devem ser feitas entre estabelecimentos de uma mesma pessoa jurídica, no mesmo Estado (REsp 2120610).
No julgamento da 1ª Turma, a ministra Regina Helena Costa ressalvou que, em seu entendimento, o amplo alcance da previsão constitucional de não cumulatividade do ICMS deveria ser suficiente para evitar restrições indevidas. No entanto, acrescentou, precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) aponta em sentido contrário.
No Tema nº 346 da repercussão geral, julgado no ano de 2020, o Supremo entendeu que “embora a Constituição Federal tenha sido expressa sobre o direito dos contribuintes compensarem créditos decorrentes do ICMS, também conferiu às leis complementares a disciplina da questão”. Assim, segundo o acórdão, “o contribuinte apenas poderá usufruir dos créditos de ICMS quando houver autorização da legislação complementar” (RE 601967). Segundo Regina Helena Costa, embora os Estados possam ampliar as formas pelas quais é possível pagar o ICMS-ST, o TJSP decidiu expressamente que “a legislação estadual que trata da sistemática de substituição tributária veda expressamente a compensação na forma por ela [a empresa] pretendida”.
A obrigação de recolhimento do ICMS-ST pelos centros de distribuição, antecipando o valor devido pela venda posterior nas lojas da mesma pessoa jurídica, está prevista no Decreto nº 57.608, de 2011, afirmou a ministra, ao qual a empresa se submeteu ao aderir à sistemática de substituição tributária. Para analisar a adequação dessa previsão, acrescentou, “seria imperioso analisar a legislação local, procedimento interditado a essa Corte”
“Não se extrai diretamente da Lei Complementar nº 87/1996 autorização expressa e suficiente a possibilitar a utilização de créditos de ICMS acumulados na escrita fiscal para compensação com valores devidos a título de ICMS-ST, impondo-se, portanto, o improvimento do recurso”, disse Regina Helena Costa.
Segundo tributaristas, os efeitos de uma decisão que siga os fundamentos apresentados serão negativos para os contribuintes. Para Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados, o voto trata o ICMS-ST como se fosse “uma espécie tributária distinta” do ICMS, o que, diante da complexidade atual das operações entre estabelecimentos de mesma empresa, “pode gerar o acúmulo de saldos credores, os quais não são admissíveis para fins de compensação com o ICMS-ST”.
A visão de que o ICMS não pode ser usado para compensar débitos de ICMS-ST contraria entendimento do próprio STJ, complementa Vinicius Jucá, tributarista sócio do Lefosse. Ele lembra que a 1ª Seção, no julgamento do Tema nº 1125, já entendeu que o ICMS-ST deve receber o mesmo tratamento do ICMS para exclusão da base do PIS e da Cofins, justamente porque são o mesmo tributo (REsp 1896678 e REsp 1958265).
Diante desse precedente, Letícia Schroeder Micchelucci, sócia do escritório Loeser e Hadad Advogados, avalia que “a compensação do ICMS-ST deveria ser autorizada, até para que se mantenha certa coerência”. Thulio Alves, tributarista do mesmo escritório, complementa que o efeito prático, caso prevaleça o entendimento da relatora, será o de que o contribuinte vai continuar acumulando créditos, sem conseguir descontá-los.
Vinicius Jucá acredita, porém, que, mesmo que o entendimento da relatora seja acompanhado pelos demais ministros da turma, a questão não estará encerrada. “Caso a tese do contribuinte não prevaleça nesse caso, a discussão pode ser levada ao STF. Ao meu ver, como o STF ainda não julgou matéria idêntica a essa, existe a possibilidade desse caso se tornar um leading case.”
Fonte: Valor Econômico