Os ministros da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, atenderam ao pedido do contribuinte e reconheceram a ilegalidade da aplicação da metodologia de fixação do preço de transferência, por meio do método Preço de Revenda menos Lucro (PRL-60), nos termos definidos pelo artigo 12, parágrafo 11, da Instrução Normativa 243/2002.

Os preços de transferência são uma forma de calcular o IRPJ e a CSLL incidentes em operações realizadas entre empresas de um mesmo grupo econômico, mas que atuam em países diferentes. O objetivo da metodologia é evitar que as empresas manipulem preços com o objetivo de reduzir a tributação em âmbito global ou de transferir lucros.

Esta é a primeira decisão do STJ envolvendo a IN 243/02 e beneficia diretamente empresas multinacionais que rotineiramente realizam essas operações. Assim, embora o julgamento não tenha ocorrido sob a sistemática de recursos repetitivos, ele é relevante por ser o primeiro precedente do tribunal sobre esse tema.

Na prática, o julgamento também é importante para definir as regras no período de 2002 a 2012. A instrução normativa da Receita foi editada em 2002 e vigorou até 2012, quando foi publicada a Lei 12.715/12, incorporando modificações na aplicação da metodologia dos preços de transferência.

Instrução normativa inovou e extrapolou a lei

Para os magistrados, o que é ilegal não é a metodologia dos preços de transferência em si, mas sim sua aplicação a partir das regras definidas pela IN 243/2002. Os ministros concluíram que a instrução normativa extrapolou o disposto no artigo 18, inciso II, da Lei 9.430/96, e implicou aumento da carga tributária para os contribuintes.

Basicamente, a diferença diz respeito à forma de apurar a margem de lucro a ser deduzida do preço líquido de revenda, com impacto na definição da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. A Lei 9.430/96, inciso II, prevê que essa margem de lucro será obtida a partir de um percentual de 60% sobre o valor do preço líquido de venda do produto. A IN 243/02, por sua vez, define que essa margem deve ser calculada a partir da aplicação desse percentual de 60% sobre “a participação do bem, serviço ou direito importado no preço de venda do bem produzido”.

O voto vencedor foi o do ministro Gurgel de Faria. Para o magistrado, tecnicamente, a fórmula de cálculo definida pela IN 243/02 seria a mais adequada para evitar a prática de manipulação de preços em operações entre empresas coligadas. No entanto, afirmou, essa mudança deveria ocorrer por meio de lei, e não de ato infralegal.

“O ato infralegal [IN 243/02] editou critério estranho à lei [9.430/96]. Se a lei provocava distorções ou não reproduzia fielmente o princípio do preço sem interferência, competia à lei modificá-la, e não ao executor ou ao intérprete da norma”, afirmou Gurgel de Faria.

O magistrado observou ainda que, antes da IN 243/02, vigorava a Instrução Normativa 32/01. Este ato infralegal sim, disse, observava a metodologia definida pela Lei 9.430/96, inciso II. O problema, portanto, ocorreu a partir de 2022, com a IN 243/02, e perdurou até 2012. Neste ano, foi publicada a Lei 12.715/12. Esta lei incorporou o método de cálculo previsto na IN 243/02 (resolvendo, assim, o problema quanto ao princípio da legalidade) e, além disso, definiu novas margens de lucro – de 20% a 40% –, conforme o setor da atividade econômica.

Com isso, em seu voto, Gurgel de Faria deu provimento ao recurso especial do contribuinte. Na prática, ele afastou a aplicação do artigo 12, parágrafo 11, da IN 243/02, para fins de cálculo dos preços de transferência, e autorizou que a empresa calcule o tributo a ser pago com base na instrução normativa anterior, a IN 32/02, até a entrada em vigor da Lei 12.715/02.

Após o voto-vista de Gurgel de Faria, o relator, ministro Benedito Gonçalves, ajustou seu voto, para também dar provimento ao recurso do contribuinte. Quando o julgamento foi iniciado, em maio deste ano, Gonçalves entendera que o artigo 12, parágrafo 11, da IN 243/2002 era legal “na medida em que o método do Preço de Revenda Menos Lucro (PRL) há de ter como base o preço pelo qual o bem importado é revendido, e não o preço de venda do bem produzido a partir dele”. Agora, Gonçalves ajustou seu voto, por concluir que essa mudança deveria ser realizada por lei, e não por ato infralegal.

O ministro Sérgio Kukina e o desembargador convocado Manoel Erhardt acompanharam o entendimento dos ministros. A ministra Regina Helena Costa se declarou impedida de participar do julgamento.

Decisões administrativas são desfavoráveis às empresas

Para a tributarista Clarissa Machado, sócia do Trench Rossi Watanabe Advogados, a decisão do STJ é importante porque é comum as empresas multinacionais importarem matéria-prima para aplicá-las no processo de industrialização de produtos no Brasil. Na prática, as normas dos preços de transferência definem o valor a ser deduzido da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Além disso, as empresas vinham perdendo as causas na esfera administrativa. Um dos motivos é a aplicação da Súmula 115 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Nesta súmula, o tribunal administrativo definiu expressamente que a sistemática de cálculo do PRL-60 prevista na IN 243/02 não afronta a Lei 9.430/96.

“O conflito se instalou porque a instrução normativa, na prática, estabeleceu um cálculo diferente do que a lei havia definido, com prejuízo para o contribuinte. As empresas continuaram fazendo o cálculo com base na lei, por considerarem a IN 243/02 ilegal, e passaram a ser autuadas pelo fisco. Agora, temos a primeira decisão de mérito no STJ sobre o assunto”, afirma.

Fonte: IBET / JOTA