2ª Turma da Corte analisou uso de ações rescisórias pela União para tentar cancelar milhões de reais em créditos obtidos com a chamada “tese do século”
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu ontem, pela primeira vez em turma, sobre as ações rescisórias que foram ajuizadas pela União para reabrir processos e cancelar milhões de reais em créditos obtidos com a chamada “tese do século” – a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins. O julgamento ocorreu na 2ª Turma e teve desfecho contrário aos contribuintes.
Essa decisão vem como um balde de água fria. As empresas ainda comemoravam decisões recentes, monocráticas, contra as investidas da Fazenda Nacional.
Havia pelo menos duas na Corte. Ambas do ministro Herman Benjamin, que integra a 2ª Turma, e no julgamento de ontem – no colegiado – mudou de posição.
As empresas enfrentam uma situação difícil. Na segunda instância, praticamente todas as decisões são favoráveis à União. Os desembargadores vêm aceitando as rescisórias e cancelando parte dos créditos da “tese do século”.
Se tais decisões não forem revertidas, dizem os advogados, as empresas correm risco de endividamento. A maioria já usou os créditos.
A 2ª Turma decidiu sobre o tema, ontem, em um caso envolvendo a Horbach, uma fornecedora de equipamentos industriais do Rio Grande do Sul. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) aceitou a ação rescisória proposta pela União e a empresa recorreu, então, ao STJ.
O recurso, no entanto, foi rejeitado por unanimidade – conforme o voto do relator, ministro Mauro Campbell. Ele afirmou que a decisão do TRF estava fundamentada em questões constitucionais e não poderia o STJ, que trata só de matéria infraconstitucional, revisar. Em outras palavras: é um assunto para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Se a 1ª Turma do STJ, que também trata de tributação, decidir de forma diferente, os contribuintes ainda terão a chance de virar o jogo na 1ª Seção – a instância uniformizadora.
Mas não é nada provável que isso aconteça. Quatro dos cinco integrantes da 1ª Turma já se manifestaram, por meio de decisões monocráticas, da mesma forma como a 2ª Turma se posicionou: Benedito Gonçalves, Gurgel de Faria, Regina Helena Costa e Sérgio Kukina.
Desde 2022, segundo o escritório Abe Advogados, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) ajuizou mais de 300 ações rescisórias para cancelar parte dos créditos da “tese do século” – cerca de 40% no TRF da 3ª Região, em São Paulo.
Todo esse imbróglio está atrelado à decisão do STF que determinou a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins e garantiu aos contribuintes o direito de receber de volta o que pagaram a mais no passado.
As rescisórias são direcionadas a empresas que entraram com ação depois de março de 2017 – quando o STF já havia decidido o mérito – e obtiveram decisão definitiva da Justiça, garantindo o direito a crédito, antes do julgamento dos embargos de declaração, em maio de 2021.
Existe discussão porque em 2021 os ministros aplicaram a chamada modulação de efeitos à decisão de mérito. Eles fizeram um recorte no tempo, usando como data-base o julgamento de mérito: de 15 de março de 2017 para frente, nenhum contribuinte precisaria mais recolher PIS e Cofins com o ICMS embutido na conta.
Mas foram criadas situações diferentes em relação à recuperação dos valores pagos no passado. Aqueles que tinham ações antes de 15 de março de 2017 têm o direito à restituição integral, ou seja, a contabilização dos créditos retroage até cinco anos antes do ajuizamento da ação.
A regra muda, no entanto, para quem ajuizou ação depois. A recuperação do passado ficou limitada. Vale a data-base. Uma empresa que entrou com o processo em 2018, por exemplo, pode recuperar o que pagou de forma indevida desde 2017 somente. Sem a modulação de efeitos, ela teria até 2013.
Como o STF demorou para concluir esse caso – foram quatro anos entre a decisão de mérito e a conclusão, por meio de embargos -, muitas empresas que entraram com a ação depois de março de 2017 já haviam obtido decisões finais (transitadas em julgado).
Essas decisões, por serem anteriores, não trazem a limitação de tempo. As empresas, então, contabilizaram os valores pagos a mais, antes de 2017, e vêm usando ou já usaram esses créditos para pagar tributos.
Ontem, durante a sessão na 2ª Turma, o advogado Mateus Bassani de Matos, que atua para a Horbach, argumentou que a ação rescisória serve para casos em que a decisão que se pretende desconstituir viola norma jurídica. Só que nesse caso especificamente, frisou, não teria como isso acontecer porque a modulação de efeitos só ocorreu depois.
Ele também citou as decisões recentes do ministro Herman Benjamin em favor de contribuintes. Na sessão, Benjamin não fez qualquer comentário sobre a mudança de posição (REsp 2088760).
Fonte: Valor Econômico