Utilizando a tese da ‘coisa julgada’, STF manteve decisão que permitiu crédito de IPI na aquisição de insumo isento
O Supremo decidiu pelo não conhecimento da ação rescisória na qual a União buscava reverter decisão de 2002 – que transitou em julgado em 2010 – que permitiu que contribuintes tomassem créditos de IPI na aquisição de insumos isentos, não tributados ou tributados à alíquota zero.
A decisão de 2002 foi tomada no recurso extraordinário (RE) 350.446, quando o STF permitiu que a Nutriara Alimentos, uma empresa de ração para animais, tomasse créditos do imposto. A União argumentou que, em 2007, o plenário mudou o entendimento de 2002 e decidiu, em dois outros casos (REs 353.657 e 370682), pela impossibilidade de creditamento de IPI para o contribuinte adquirente de insumos não tributados ou tributados à alíquota zero.
Os argumentos da União na AR 2297 não foram acolhidos. Por unanimidade, os ministros decidiram que não cabe ação rescisória para reverter um julgamento por alteração jurisprudencial posterior, em respeito à segurança jurídica e ao princípio da coisa julgada.
A ação era importante para a Fazenda Nacional e levou o ministro da Economia, Paulo Guedes, a se reunir com o presidente do STF, Luiz Fux, em 11 de fevereiro para tratar do tema.
Na sessão desta quarta o relator, ministro Edson Fachin, votou pelo não conhecimento da AR porque o STF já decidiu que “não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente.” Além disso, destacou que o CPC de 2015 prevê as hipóteses de cabimento de ação rescisória – e a mudança jurisprudencial posterior não é uma delas.
“A relação jurídica tributária é consubstanciada antes mesmo da ocorrência do fato gerador tributário no sobre-princípio da segurança jurídica que tem por consectário mediato a coisa julgada. A coisa julgada constitui consectário dinâmico da segurança jurídica na tributação que encontra limites na jurisprudência deste próprio Supremo Tribunal Federal”, disse Fachin.
E concluiu: “No âmbito do juízo rescindendo, em homenagem à segurança jurídica e seu consectário da coisa julgada, voto pelo não conhecimento da presente ação rescisória mantendo-se incólume o acórdão rescindendo no tocante ao direito da requerida ao crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI quando da aquisição de insumos e matérias-primas sujeitos à alíquota zero”.
O ministro revisor, Alexandre de Moraes, votou da mesma maneira, pelo não conhecimento. “O tema à época foi objeto de debate, objeto de decisão, e em que pese posteriormente ter sido alterado, isso a meu ver não permite que afetemos a garantia da coisa julgada. Se amanhã houver uma nova interpretação, uma evolução ou involução, novamente caberia uma nova ação rescisória. Não são estas as hipóteses previstas para o cabimento da ação rescisória, não há viabilidade na desconstituição de uma tutela outorgada pela Corte em virtude de posterior modificação de entendimento jurisprudencial”, afirmou.
Moraes ainda rebateu argumento da União de que o acórdão que se pretende rescindir, do RE 350.446, só teve seu trânsito em julgado após a mudança jurisprudencial no Supremo. O ministro lembrou que o recurso foi julgado em plenário em 18 de dezembro de 2002, e se fixou a tese de que era possível o creditamento de IPI nas hipóteses de aquisição de insumos isentos e com alíquota zero. Houve embargos de declaração pela União, que foram rejeitados pelo plenário em 15 de fevereiro de 2007, e depois novos embargos, que não foram conhecidos, e o trânsito em julgado ocorreu apenas em 26 de outubro de 2010. Já os REs 353.657 e 370.682, que alteraram a jurisprudência em relação ao creditamento, foram julgados pelo plenário em 25 de junho de 2007.
Moraes diz que a coisa julgada se configura pelo julgamento de mérito, e não dos embargos. “Ou seja, a alteração jurisprudencial do STF se deu após o término do julgamento do acórdão que hoje se pretende rescindir, então já estava protegido pelo manto da coisa julgada, sem que ora incida qualquer hipótese legal que permita a rescisão deste acórdão, sob pena de uma insegurança jurídica muito grande. São hipóteses excepcionalíssimas que permitem a AR e nenhuma destas hipóteses, a meu ver, está aqui presente”, disse.
O relator e revisor foram acompanhados pelos ministros Nunes Marques, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux. O ministro Luís Roberto Barroso se declarou suspeito, e o ministro Marco Aurélio Mello estava ausente por razões de saúde.
Para o advogado Jorge Galvão, que atuou no caso, alterar a decisão favorável ao contribuinte após quase 20 anos significaria “uma violência ao particular”. “A mensagem clara do STF é a de que as vitórias dos contribuintes, após anos de batalha judicial, não podem ser desconstituídas em razão de mudança superveniente de jurisprudência, dando efetividade ao princípio constitucional da segurança jurídica”, afirmou.
Já a procuradora Luciana Moreira, que atuou no caso pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), afirma que através da rescisória o STF reafirmou o que havia decidido no tema 136 (RE 590809). Na ocasião firmou-se a tese de que “não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente”.
“O ponto do dissenso é que entendíamos – e o STF discordou – que não havia identidade entre o caso concreto [AR 2297] e o tema 136 porque neste processo a mudança de jurisprudência sobreveio muito rápido e não havia paradigma no STF”, afirma a representante da PGFN.
Apesar de a ação rescisória ter sido pauta da reunião entre Guedes e Fux, a procuradora diz não ter conhecimento de processos semelhantes ao analisado nesta quarta.
Fonte: JOTA