Empresa pode obter o direito de recolher 3,65% de PIS e Cofins, por meio do regime cumulativo
A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deixou uma porta aberta para as sociedades de economia mista obterem o direito de recolher PIS e Cofins por meio do regime cumulativo. Os ministros entenderam que o reconhecimento da imunidade recíproca por decisão judicial não garante, automaticamente, o reenquadramento fiscal. Mas a medida, acrescentar, poderia ser discutida na Justiça.
Para os ministros, porém, não caberia ao STF deliberar sobre o enquadramento fiscal dessas empresas. A discussão, segundo eles, é infraconstitucional, ou seja, de responsabilidade do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A questão chegou ao STF porque o tribunal vem reconhecendo nos últimos anos que algumas sociedades de economia mista têm natureza de autarquia e, portanto, o direito à imunidade de impostos. Em repercussão geral, afirmou que esse benefício – previsto na Constituição – valeria quando não há distribuição de lucros a acionistas privados e nos casos de ausência de risco ao equilíbrio concorrencial (RE 1320054).
O caso agora analisado pelos ministros é da Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal). A empresa obteve, em 2016, manifestação favorável do STF para a imunidade recíproca. Os ministros consideraram que a concessionária executa serviço público de abastecimento de água e tratamento de esgoto de modo exclusivo (de não concorrência), além de ter a participação do Estado de Alagoas em 99% do capital social (ACO 2243).
A Casal foi liberada, então, do pagamento do Imposto de Renda (IRPJ) e do IOF. Depois disso, passou a pedir que, como tinha natureza de autarquia, deveria passar a recolher o PIS e a Cofins pelo regime cumulativo – e não mais pelo não cumulativo.
A discussão ocorre porque a legislação que instituiu o regime não cumulativo de pagamento do PIS e da Cofins previu uma exceção. As Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003 estabelecem que permanecem sujeitas ao recolhimento cumulativo “os órgãos públicos, as autarquias, as fundações públicas federais e estaduais, além das fundações cuja criação tenha tenha sido autorizada por lei”.
A diferença entre os regimes é significativa, especialmente para as prestadoras de serviço que normalmente não têm créditos suficientes para abater do tributo a ser pago. No cumulativo, a alíquota é de 3,65% sobre o faturamento. No não cumulativo, a alíquota é maior, de 9,25%, mas com direito ao uso de créditos gerados na aquisição de insumos.
O pedido da Casal para o reenquadramento do regime do PIS e da Cofins prosperou na primeira e na segunda instâncias. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região, com sede no Recife, decidiu, em 2018, que o reconhecimento da imunidade recíproca em favor das sociedades de economia mista seria suficiente para enquadrá-las no regime cumulativo das contribuições sociais.
Valeria, contudo, apenas para as sociedades de economia mista que não atuam como empresa privada, mas sim como ente público equiparado à autarquia (processo º 0805600-87.2016.4.05.8000).
A decisão recente do STF faz com que o entendimento do TRF prevaleça. Assim, a empresa poderá reaver valores que pagou a mais ao governo no regime não cumulativo de PIS e Cofins desde outubro de 2008. Em 2018, com o entendimento favorável do TRF, a empresa migrou para o regime cumulativo e passou a depositar judicialmente a diferença.
A mudança de regime representa uma economia mensal entre 60% e 70% para a concessionária, segundo os advogados Álvaro Arthur Lopes de Almeida Filho e Pedro Duarte Pinto, do escritório Paes, Almeida e Albuquerque Advogados, que representou a Casal na ação. “Pela estrutura de custos e como não tem muitos créditos a tomar o regime cumulativo é mais vantajoso para a companhia”, afirma Duarte Pinto.
Com o precedente do STF, diz Nina Pencak, do Mannrich e Vasconcelos, “a tendência é que outras sociedades de economia mista que tiveram reconhecimento da imunidade recíproca pleiteiem judicialmente o seu enquadramento no regime cumulativo de PIS e Cofins”.
No julgamento realizado na semana passada, prevaleceu o voto do ministro Nunes Marques. Ele entendeu que o reconhecimento da imunidade recíproca não implica necessariamente direito ao reenquadramento do PIS e Cofins ou qualquer outro efeito fiscal. “Mas não quer dizer em absoluto que o direito não existe”, disse.
Ele acrescentou que “é necessário que os tribunais avaliem provas, documentos, estatutos, leis locais, espécies de serviços prestados, ambientes concorrenciais, posicionamentos de capitais sociais para eventual natureza autárquica se harmonize com o disposto nos artigos 8, V, e 10, V, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003”.
Ele foi acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Edson Fachin, relator, e André Mendonça ficaram vencidos (ARE 1267120).
Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que “a União entende, na linha perfilhada pelo ministro Edson Fachin, que as razões que levaram à extensão da imunidade recíproca para a Companhia de Saneamento de Alagoas não permitem seja ela equiparada a autarquia, para fins de se valer do regime cumulativo do PIS/Cofins, nos termos previstos nos artigos 8º, V, e 10, V, das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2002”.
Fonte: Valor Econômico