Novos projetos de geração distribuída têm 12 meses para se conectar à rede com isenção de taxa

A sanção do marco legal da geração própria de energia, a geração distribuída, pelo presidente Jair Bolsonaro, em janeiro, criou um senso de urgência no desenvolvimento de novos projetos nessa área no país. O setor prevê uma “corrida pelo sol” este ano para garantir a gratuidade da cobrança da tarifa de uso da rede das distribuidoras, a chamada Tusd, até 2045. A pressa se explica porque os empreendimentos que pedirem conexão à rede elétrica até 12 meses depois da sanção da nova lei vão continuar isentos da cobrança da Tusd por 23 anos. O novo marco instituiu a cobrança gradual dessa taxa, a partir de 7 de janeiro de 2023, até chegar a 29% em 2030.

As mudanças tendem a fazer o setor dar um salto, com 100% de crescimento na capacidade instalada em 2022 em relação ao ano passado. Em 2021, o segmento tinha uma capacidade de 8 gigawatts (GW), número que deve passar para 16 GW neste ano. Essa capacidade é superior à potência total de Itaipu, de 14 GW. Porém a fonte solar é intermitente, o que significa que depende da radiação solar, que não é constante, para produzir energia elétrica.

A projeção de crescimento é da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD). A entidade, que reúne fabricantes de equipamentos e empresas que implementam projetos de geração distribuída, estima que a expansão vai resultar em investimentos de cerca de R$ 35 bilhões neste ano.

A isenção das tarifas de distribuição para a geração distribuída foi uma maneira de estimular o crescimento do setor no país, mas tornou-se alvo de polêmica. A revisão das regras se arrastaram por anos na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e deixaram de lados opostos distribuidores e geradores de energia. A agência agora vai regulamentar o fim gradual dos estímulos, de acordo com a nova lei sancionada por Bolsonaro.

Estudo da consultoria Clean Energy Latin America (Cela) nas áreas de concessão de 25 distribuidoras mostrou que os projetos de geração solar fotovoltaica instalados nos telhados dos próprios consumidores vão continuar vantajosos mesmo com as mudanças nas cobranças da tarifa nos próximos anos. No entanto, o cenário é diferente para projetos de geraçção solar fotovoltaica instalados nos telhados dos próprios consumidores vão continuar vantajosos mesmo com as mudanças nas cobranças da tarifa nos próximos anos. No entanto, o cenário é diferente para projetos de geração distribuída remota, no qual o cliente contrata o serviço de uma empresa que constrói fazendas solares na área de concessão da mesma distribuidora em troca de um desconto na tarifa de energia.

A consultoria mostra que os empreendimentos de geração remota que pedirem conexão à rede até janeiro de 2023 vão continuar competitivos, mas algumas iniciativas vão passar a ter a viabilidade mais restrita com o passar dos anos, sobretudo no caso das usinas com capacidade acima de 500 quilowatts (kW). “Vai haver uma grande procura por novos projeto nos próximos 12 meses, pois todo mundo vai querer se enquadrar na lei antiga. Este ano vamos ver, de longe, o maior volume de novos projetos de geração distribuída no Brasil”, afirma a diretora da consultoria, Camila Ramos.

O estudo da Cela mostra que as novas regras podem impactar a capacidade dos projetos de geração remota de oferecer descontos em relação às tarifas reguladas, em especial em regiões do Pará, Maranhão, Piauí e Tocantins. Segundo Ramos, as companhias vão precisar prestar mais atenção ao planejamento estratégico, além de buscar se familiarizar com o marco regulatório e com os cálculos tarifários para seguir com a implementação dos projetos com as novas regras.

Vai ser mais importante a partir de agora na estratégia das empresas a definição da localização e do tamanho dos projetos. Consumidores em alguns Estados vão ter mais projetos viáveis do que em outros”, diz Ramos.

Cerca de 80% do investimento previsto para 2022 no setor vai ficar na microgeração, abaixo de 75 kW, perfil de consumidor que está consolidado no Brasil há anos, segundo a ABGD. “É melhor colocar [um sistema fotovoltaico] esse ano, porque teremos uma condição de compensação melhor. Vai ter, sim, uma corrida pelo sol”, diz o presidente-executivo da associação, Guilherme Chrispim.

A diretora de finanças da Cela, Marília Rabassa, diz que os prazos de retorno dos investimentos em geração distribuída variam de acordo com a região e com a incidência da radiação solar.

Grandes bancos e fundos de investimento têm demonstrado maior interesse pelo segmento, mesmo com a alta nos juros. É o caso do Itaú BBA, que conta com operações que somam mais de R$ 1 bilhão. O banco tem visto a demanda por financiamentos no setor crescer, diz o chefe de energia na área de financiamento de projetos, Allan Batista. “Agora temos um marco, sabemos a modelagem, como avaliar risco e cenários. Essa sensibilidade traz um pouco mais de interesse em termos de crédito e investimentos”, afirma.

Batista diz que a janela de 12 meses após a sanção do marco pode trazer investimentos acima da média. Afirma que a volatilidade nos juros não deve inibir aportes no setor, que costuma ter uma visão de longo prazo. “Vemos atrasos nos projetos e sobrecusto por conta [dos preços] das commodities. Por um lado temos um intervalo temporal para ter um benefício maior em 2022 e, do outro, esse sobrecusto”, diz.

O setor tem vivido uma forte movimentação em busca de recursos nos últimos meses. O Meu Financiamento Solar, plataforma de financiamento do Banco BV, prevê R$ 1 bilhão por mês em operações este ano.

A Evolua Energia, empresa mineira que começou a operar em 2020, fez uma captação de R$ 123 milhões em agosto do ano passado, por meio da emissão de um certificado de recebíveis imobiliário (CRI), com a assessoria do Banco Modal. A companhia pretende realizar outra emissão, além de usar o caixa próprio para financiar a expansão da atual capacidade de geração de 32 MW para 90 MW até o fim do ano. Segundo o presidente da empresa, Tarcísio Neves, a capacidade pode dobrar em 2023, com a aceleração da implantação de projetos que vão pedir acesso à rede nos próximos meses.

A ideia da Evolua é expandir a atuação para além de Minas Gerais, com novos projetos no Nordeste. “Estamos acelerando a solicitação dos pareceres de acesso em 2022 para garantir a continuidade da implantação dos parques. Assim, vamos desenvolver um portfólio de projetos agora para suportar novos investimentos em plantas em 2023 e 2024 com as condições atuais“, diz o executivo.

Chrispim, da ABGD, afirma, no entanto, que há possíveis travas para o crescimento da geração distribuída no Brasil este ano, como a dificuldade da expansão da mão de obra capacitada, que tem afetado os prazos de alguns projetos. Outros fatores, como câmbio, custo do frete, elevação das commodities, alta demanda global e ano eleitoral vão continuar pressionando o setor. “Tivemos uma inflação global recente e tudo subiu. Esse movimento já aconteceu em 2021 e agora vemos que o preço parou de subir, mas não desceu. Há uma expectativa de estabilidade, mas não de redução”, diz.

Fonte: Valor Econômico