Em recente julgamento — Recurso Especial 2.053.240-SP — a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a apresentação de certidão de regularidade fiscal federal é condição para o deferimento da recuperação judicial.

Essa decisão marca uma virada no entendimento que até então estava consolidado, uma vez que a jurisprudência da referida corte dispensava o cumprimento desse requisito [1] sob o argumento de que deveria prevalecer a aplicação dos princípios da função social e da preservação da empresa contidos no artigo 47 da Lei federal 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência) em sobreposição ao conteúdo dos artigos 191-A [2] do Código Tributário Nacional e 57 [3] da referida lei, que exigiam tal comprovação.

Importante destacar que, naquele momento histórico, a ausência de lei específica a regulamentar um programa diferenciado de parcelamento de débitos, como determinavam os §§ 3º e 4º do artigo 155-A [4] do Código Tributário Nacional e o artigo 68 [5] da lei, foi um fator decisivo para afastar a exigência da certidão de regularidade fiscal.

Contudo, a orientação do Superior Tribunal de Justiça adrede referida foi repensada a partir da Lei nº 14.112/2020 que alterou a Lei nº 10.522/2002, a qual estabeleceu tratamento especial para débitos fiscais, em âmbito federal, de empresas em recuperação judicial (artigos 10-A e 10-B). Isto porque, à luz desse novo entendimento foi implementada a condição que faltava: fixação de regras federais específicas de parcelamento para empresas em recuperação judicial.

Segundo essa moderna posição do Superior Tribunal de Justiça, a empresa em recuperação deve comprovar a regularidade fiscal no prazo estipulado pelo juiz em que tramita a recuperação, sob pena de suspensão do processo de recuperação judicial, imediata retomada das execuções individuais e de eventuais pedidos de falência até que as certidões mencionadas no artigo 57 da Lei de Recuperação Judicial e Falência sejam apresentadas.

Em nosso sentir, até o julgamento do Recurso Especial 2.053.240-SP, o crédito tributário — embora sempre tenha gozado de prerrogativas de preferibilidade no Código Tributário Nacional e na lei de recuperação e falência — vinha sendo relegado a segundo plano em virtude dos diversos conflitos existentes entre o juízo competente para processamento da recuperação judicial e o da execução fiscal, notadamente relacionados à negativa de exigência de apresentação de certidões de regularidade fiscal, à suspensão ou não do processo executivo fiscal e à possibilidade ou não da prática de atos de constrição em seu bojo. Pontos esses que impediam que a execução fiscal atingisse seu objetivo: a recuperação do crédito tributário inadimplido da empresa em recuperação.

O entendimento do Poder Judiciário que até então prevalecia no sentido da sobreposição dos princípios da preservação da empresa e de sua função social em relação à preferência do crédito tributário gerou a falácia de que o afastamento da exigência da regularidade fiscal da empresa em recuperação traria maior garantia para sua reabilitação. Explico.

Sob a perspectiva de que a recuperação judicial objetiva restabelecer a saúde econômico-financeira do devedor, propiciando a manutenção da fonte produtora, dos empregos, dos interesses dos credores, a preservação da empresa e sua função social, a dispensa na apresentação das certidões de regularidade fiscal resguardava apenas os interesses dos credores privados.

O que se via era a perpetuação da condição de inadimplência perante o fisco, relegando-se a um limbo os débitos tributários, geralmente em montante superior aos demais credores, que permaneceriam pendentes.

Objetivando parametrizar a consecução dos valores adjetivados na recuperação judicial e a preferência do crédito tributário, o §7º-B do artigo 6º da Lei nº 11.101/2005 com a redação dada pela Lei nº 14.112/2020 determina, expressamente, que não se aplicam às execuções fiscais: (a) a suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime da citada lei; (b) a suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência e (c) a proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.

A modificação promovida na orientação do Superior Tribunal de Justiça reforça a autonomia já reconhecida do juízo da execução fiscal e consagrada no artigo 187 do Código Tributário Nacional, que estipula que a cobrança judicial do crédito tributário não está sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento.

A regra é um alento à efetividade da cobrança judicial do crédito tributário cujo processo não mais ficará suspenso com a concessão da recuperação judicial, permitindo que o juízo da execução fiscal prossiga com a constrição de bens da empresa, ressalvada a possibilidade do juízo recuperacional determinar a substituição de tais atos constritivos se recaírem sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial.

Mas não só, para evitar desequilíbrios que inviabilizem o atingimento da recuperação econômico-financeira do devedor, agora em favor das Fazendas Públicas, os legisladores complementar e ordinário conferiram ao devedor o direito ao parcelamento dos débitos tributários em condições especiais e diferenciadas, levando o Superior Tribunal de Justiça à mudança do entendimento acerca da dispensa da apresentação da certidão de regularidade fiscal federal.

O acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça proporciona uma abordagem inovadora sobre a questão, conciliando o interesse público de arrecadação fiscal para a consecução das políticas públicas, a efetividade da execução fiscal para recuperação do crédito tributário e a preservação da atividade empresarial.

Há, contudo, ponto no novo julgado do qual discordamos, especificamente a parte em que ressalvou a exigência de regularidade fiscal como condição à concessão da recuperação judicial relativamente aos débitos fiscais de responsabilidade das Fazendas Públicas dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, afirmando que somente poderia ser implementada depois da edição de lei específica desses entes políticos.

Bem, consoante o § 4º do artigo 155-A do Código Tributário Nacional, em caso de inexistência de lei específica, aplicam-se as leis gerais de parcelamento do ente da Federação respectivo, exigindo-se apenas que o prazo do parcelamento não seja inferior ao concedido pela lei federal específica, portanto, a 120 meses.

Considerando que a atual redação do artigo 10-A da Lei nº 10.522/2002 estabelece que o parcelamento de débitos fiscais de empresas em recuperação judicial no âmbito da Fazenda Nacional poderá se consolidar em até 120 meses, torna-se plenamente viável sua aplicação aos demais entes da Federação e municipais.

Desta forma, a certidão de regularidade fiscal estadual, municipal ou do Distrito Federal pode ser exigida como condição de processamento da recuperação judicial, desde que à empresa recuperanda seja conferido o direito à realização de parcelamento nos moldes fixados na lei federal, caso não haja legislação própria no âmbito dos respectivos entes federados.

Fonte: Consultor Jurídico