Dispositivo da PEC nº 45, sob análise do Senado, permite a prefeitos mudar o valor do imposto sem passar pela Câmara dos Vereadores

O projeto de reforma tributária, sob análise no Senado, dá poder extra para os prefeitos alterarem o valor do IPTU por meio de decreto, sem precisar passar pela Câmara Municipal. A medida, se mantida na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, pode elevar o valor do imposto sobre propriedade de imóveis e terrenos, segundo especialistas, além gerar maior judicialização.

Atualmente, o IPTU é o maior alvo de questionamentos de contribuintes na Justiça, segundo o Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro, feito pelo Insper a pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Responde por 25% das ações judiciais – mais do que os 16% do complexo ICMS.

Pela proposta da PEC 45, o sistema tributário será simplificado. Mas a Constituição Federal passaria a permitir a atualização da base de cálculo do IPTU pelo Poder Executivo, conforme critérios estabelecidos em lei municipal. A redação não especifica quais seriam esses critérios.

A redação foi incluída na reta final de tramitação da reforma tributária na Câmara dos Deputados. E segundo a justificativa do relator da proposta, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), atende pleito da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).

De acordo com Ribeiro, a autorização para o Executivo atualizar a base de cálculo do IPTU por decreto facilita “que as administrações municipais alcancem o potencial arrecadatório de imóveis com alta valorização”.

O IPTU, na cidade de São Paulo, por exemplo, representou 18% da receita orçamentária no primeiro semestre deste ano. Foram arrecadados R$ 8,2 bilhões. No mesmo período, o município do Rio de Janeiro arrecadou R$ 3,1 bilhões com o imposto.

Atualmente, os prefeitos podem, por decreto, atualizar os valores anualmente apenas para corrigi-los pela inflação. Mas se o aumento do valor venal, que é a base de cálculo do IPTU, for maior, deve passar pelo crivo do Legislativo. Essa é a posição do Supremo Tribunal Federal (Tema 211) e do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 160).

O cálculo do valor venal para fins de IPTU parte da chamada planta genérica de valores (PGV), que deve ser aprovada, por meio de lei, pela Câmara de Vereadores. Nela são definidos os valores unitários de metros quadrados de construções e terrenos.

Alguns critérios para essa definição são: a região onde está o imóvel, se é residencial ou comercial, se tem elevador, além da infraestrutura urbana do entorno.

“A fixação dos valores unitários passa por um processo legislativo”, explica a advogada Thais Veiga Shingai, do Mannrich e Vasconcelos Advogados. “Se a PGV não é atualizada, a base de cálculo do IPTU fica defasada.”

Defensores da medida incluída na PEC 45 dizem que, por trás da iniciativa, está a resistência de Câmaras de Vereadores atualizarem as plantas genéricas de valores. Dizem que existe uma verdadeira “batalha das PGVs”.

Levantamento da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) aponta que 12,27 anos é o tempo médio para revisão das PGVs nas capitais brasileiras. O maior é registrado em Vitória: 25 anos.

As legislações mais recentes, de 2021, são de São Paulo e Goiânia, que teve a maior valorização de metro quadrado de imóveis novos nos últimos 12 meses. Foi de 13%, segundo pesquisa da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

Ainda segundo a Abrasf, a diferença entre o valor de mercado dos imóveis e o valor previsto da PGV supera os 60% na capital paulista (69,90%) e em Aracaju (68,50%). Para a Abrasf, o valor dos imóveis no mercado imobiliário deveria ser a base de cálculo do imposto.

No Senado, três emendas foram apresentadas para tentar mudar essa parte da reforma tributária. Em duas delas, os senadores Angelo Coronel (PSD-BA) e Sergio Moro (União-PR) sugerem a supressão do dispositivo da PEC 45. “A medida, além de reduzir o poder do Legislativo local, desafia o princípio da legalidade tributária”, justifica Moro.

Breno Vasconcelos, sócio do Mannrich e Vasconcelos Advogados, critica a abertura dada pela reforma para mudanças no valor do IPTU via decreto. Na avaliação dele, a medida viola a separação dos poderes, além do princípio da legalidade tributária, segundo a qual aumentos de tributos devem estar previstos em lei.

“Se a base de cálculo do imposto está defasada, a solução é atualizar as plantas genéricas, e não dar um bypass [drible] no Legislativo”, diz.

Para Vasconcelos, o poder dado ao Executivo pode gerar abusos. “A depender da relação política com o prefeito, o Legislativo municipal pode fixar critérios permissivos, genéricos e fáceis de serem interpretados para aumentar a arrecadação”, afirma.

Douglas Mota, sócio do Demarest Advogados, avalia que a redação da PEC 45 garantiria agilidade para o Executivo atualizar os valores de imóveis, considerando variações de preço bairro a bairro. “Abre a porta para aumentar o tributo”, diz.

Mudanças bruscas no cálculo do imposto poderiam vir na virada de cada ano, segundo especialistas. Um decreto municipal poderia ser editado no fim de dezembro e já passar a valer em 1º de janeiro.

A Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) afirma, em nota ao Valor que “defende que a reforma tributária permita que o IPTU seja atualizado por decreto, como um ato do Executivo municipal, a partir da análise dos técnicos dos municípios”. Acrescenta que o IPTU contribui para a justiça tributária, porque incide mais sobre imóveis mais valorizados, e melhora a prestação de serviços públicos.

Ricardo Almeida, assessor jurídico da Abrasf, classifica a proposta da reforma como “biscoito de vento”. Quer dizer com isso que a redação prevista na reforma não muda o cenário atual.

Para Eduardo Natal, sócio da banca Natal & Manssur, o texto da reforma indica que o decreto do Executivo deve se submeter à lei aprovada pelo Legislativo municipal, ou seja, deve haver limitação. “Mas se o município conseguir aprovar uma lei que flexibilize os critérios ou outorgue ao decreto a definição de critérios, haveria facilidade para as prefeituras aumentarem o IPTU”, diz. “Esse é um risco”.

Natal pondera que a delegação da lei ao decreto para a fixação dos critérios da base de cálculo do IPTU não pode ser ampla. “Se isso acontecer pode virar uma celeuma e vai gerar questionamentos”, frisa.

A Confederação Nacional dos Municípios foi procurada pelo Valor, mas não deu retorno até o fechamento da edição.

Fonte: Valor Econômico