Regulamentação da reforma tributária cria o Conselho Tributário do IBS, responsável pelo contencioso do novo imposto
Com a criação dos dois novos tributos na reforma tributária do consumo, o país, segundo propõe o texto da regulamentação, terá uma nova instituição, à semelhança do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), para julgar o contencioso do imposto municipal e estadual, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Já os processos relativos ao tributo federal, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), ficará sob responsabilidade das atuais Delegacias de Julgamento da Receita Federal (DRJs) e do Carf, que já trata de tributos de competência da União.
A CBS vai substituir os impostos federais IPI, PIS e Cofins, enquanto o IBS unifica os atuais ICMS (estadual) e ISS (municipal). As definições sobre os julgamentos administrativo dos dois tributos estão previstos nos PLPs 68/2024 e 108/2024, que regulamentam a reforma.
De acordo com o PLP 108/2024, que ainda precisa ser votado pela Câmara dos Deputados, as disputas judiciais em relação ao IBS vão ser definidas no Conselho Tributário do IBS, formado por Câmaras de Julgamento e por uma Câmara Superior. Haverá, também, uma instância superior a esses órgãos: a Câmara Técnica de Uniformização, que vai unificar a jurisprudência do Carf e do Conselho do IBS.
Caberá à Câmara Técnica analisar recursos contra decisões inferiores e pedidos de uniformização para resolver possíveis conflitos de interpretação entre o IBS e a CBS.
Como será o Conselho Tributário do IBS
De acordo com o texto, o Conselho Tributário do IBS realizará somente julgamentos virtuais e será dividido em três instâncias, com participação dos contribuintes nas duas finais. O PLP 108/2024 prevê, ainda, a possibilidade de realização de sustentação oral durante o julgamento administrativo do IBS.
A primeira instância terá 27 câmaras de julgamento, responsáveis pelo julgamento das autuações lavradas pelos estados e seus respectivos municípios. Cada câmara será composta por quatro julgadores: dois servidores indicados pelo estado e dois pelos municípios.
O segundo grau administrativo também terá 27 câmaras, porém será composta por oito julgadores: dois representantes dos estados, dois dos municípios e quatro dos contribuintes. O presidente, que será necessariamente um representante dos municípios ou das unidades federativas, votará em caso de empate.
Por fim, a última instância terá a atribuição de uniformizar o entendimento em caso de divergências entre as câmaras da segunda instância. Ela será composta por quatro servidores indicados pelos estados, quatro indicados pelos municípios e oito representantes dos contribuintes. O presidente, que representará os fiscos estaduais ou municipais, votará apenas em caso de empate. Inicialmente, não havia previsão da participação de contribuintes nesta instância.
Os prazos processuais desta nova estrutura serão contados em dias úteis, com suspensão entre 20 de dezembro e 20 de janeiro. Além disso, os julgadores estarão vinculados às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sede de repercussão geral ou recursos repetitivos.
Expectativa
Embora essa estrutura esteja posta, há expectativa e pressão por parte dos pagadores de imposto por alterações. Ao JOTA, o presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-SC e ex-conselheiro do Carf, André Henrique Lemos, afirmou que o texto como está pode gerar instabilidades, o que redundará em mais litígios batendo à porta do Judiciário. Para ele, a responsabilidade pelo contencioso dos dois tributos deveria ser compartilhada.
“Se um dos pilares da reforma é a simplificação, esse modelo do PLP 108/24 tem que ser mais bem discutido no Senado. A administração tributária desses dois novos tributos deveria ser compartilhada, tendo, por exemplo, uma única fiscalização, lançamento, julgamento e cobrança, e sendo o órgão julgador, composto por representantes regionais do fisco e do contribuinte, algo importante para a construção da jurisprudência”, disse.
Para Lemos, modelo paritário do Carf é positivo. “Sua jurisprudência é técnica, especializada e auxilia – e muito – o Judiciário”, avalia. Ele destaca ainda que a estrutura responsável pelo IBS poderá chegar a soma de 387 julgadores, só para o IBS, frente aos 180 do Carf que, “julga todos os tributos federais e mais as questões aduaneiras”, ressalta.
Lígia Regini, sócia da prática de Direito Tributário do BMA Advogados, endossa a avaliação de Lemos. Para ela, essa dualidade de estruturas vai gerar mais contencioso do que atender o propósito de simplificação e eficiência que a reforma propõe. Em sua análise, o argumento de que as duas estruturas cumprem o que determina a Constituição é questionável, porque “apesar de serem dois tributos, nós estamos falando do mesmo fato gerador, da mesma base de cálculo”.
“Ter dois eixos de contencioso pode gerar divergência em uma mesma operação de varejo, por exemplo. O fiscal da Receita Federal pode pensar de um jeito e o fiscal do estado pode pensar de outro jeito. Assim, teremos dois processos, que podem ter a mesma solução ou soluções diferentes, e mais: em tempos diferentes e isso pode gerar um contencioso ineficiente. Até que ponto seria eficiente uma estrutura tão grande, em 27 estados, para julgar essa matéria. Será que a gente não poderia fazer de uma forma mais eficiente até do ponto de vista orçamentário?”, questiona.
Por outro lado, para o professor do programa de mestrado do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), Rodrigo Dalla Pria, o texto “reflete aquilo que a Constituição reservou ao Comitê Gestor e aos estados e municípios internos de exercício de competência administrativa tributária, que é o exercício de cobrança, porque quem cobra tem direito de controlar seus atos de cobrança”.
Segundo ele, o modelo de contencioso do IBS é o modelo esperado. “A Emenda Constitucional 45 criou o modelo Dual de tributação do consumo, preservou as competências dos Estados e municípios para lançar, cobrar, exigir e era natural, portanto, que o contencioso do IBS fosse criado em apartado ao contencioso da CBS. Foi isso exatamente o que acontecer, eventualmente a Constituição prevê a possibilidade de integração, mas não em nível geral, a integração pressupõe uma dualidade”, afirma.
Dalla Pria, porém, destaca a necessidade de uma instância de uniformização de orientações das decisões proferidas no Carf, em relação à CBS, e na Câmara Superior do IBS, em relação ao IBS.
Mesmo com esse apelo por uniformização, para Fabrício Parzanese dos Reis, sócio da área tributária do Velloza Advogados, divergências vão ocorrer e são esperadas. “Não tenho dúvidas de que haverá divergências. Estamos há 20 anos tentando estruturar mecanismos de mais uniformização no Judiciário e hoje não se pode dizer que há um sistema de interpretação linear e seguro. Evidentemente, o Judiciário é muito maior que o administrativo de IBS, mas imagino que essa uniformização é algo a ser buscado para as próximas décadas”, diz.
Na visão dele, neste momento, deve ser pavimentada a estrutura, para depois vir a uniformização. Reis destaca que a divergência considera, além da interpretação, os interesses dos estados e municípios. “E vai ter uma influência política enorme. Acho que é um caminho de décadas, mas não podemos negar que existe um princípio desse caminho.”
Tramitação
Essa nova estrutura que será responsável pelo julgamento do IBS está prevista no PLP 108/2024, ainda em tramitação na Câmara dos Deputados, com previsão para análise em plenário no segundo semestre deste ano. Em seguida, o texto vai ao Senado.
Além da criação do Conselho Tributário do IBS, o PLP 108/2024 define a tributação, pelo ITCMD, dos planos de previdência Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), e prevê, de forma opcional, que estados tributem grandes fortunas, além de alterar o momento de cobrança do ITBI em casos de contratos de compra e venda de imóveis.
Fonte: JOTA