Estratégia poderá reduzir conta bilionária da exclusão do ICMS nos recolhimentos
A Receita Federal adotou uma nova estratégia para tentar reduzir a conta de bilhões de reais gerada com a exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins, a chamada “tese do século”. Vem exigindo que as empresas utilizem o mesmo critério de cálculo dos pagamentos à União para contabilizar os créditos decorrentes da aquisição de bens e insumos – ou seja, sem o ICMS embutido.
Essa condição, na prática, aumenta o PIS e a Cofins a pagar. Mais do que isso: pode gerar uma dívida acumulada em prol do governo. As companhias estão sendo cobradas por valores que teriam deixado de recolher aos cofres públicos nos últimos cinco anos.
Pelo menos duas empresas, ambas com sede em São Paulo, relataram ao Valor que foram autuadas depois de informar à Receita sobre os valores que têm a receber do governo por conta de decisões judiciais permitindo a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins. Elas pretendiam utilizar tais quantias para quitar tributos correntes.
A tomada de crédito faz parte da apuração das contribuições sociais para quem está no regime não cumulativo – praticamente todas as grandes empresas. A alíquota de PIS e Cofins, nesses casos, é de 9,25%.
Para calcular quanto deve, o contribuinte precisa separar as notas de saída, referentes às vendas realizadas no mês, das notas de entrada, que contêm o custo de aquisição de produtos que dão direito a crédito (insumos, por exemplo). É feito um encontro de contas entre esses dois grupos de notas e sobre o resultado aplica-se a alíquota.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em maio, que a parcela do ICMS que consta na nota de saída – na venda dos produtos, portanto – deve ser retirada do cálculo do PIS e da Cofins. Os ministros consideraram que o imposto estadual não pode ser classificado como receita ou faturamento, que é a base de incidência das contribuições.
Com a retirada do imposto estadual da conta, a base de cálculo do PIS e da Cofins foi reduzida e, consequentemente, os valores a pagar ao governo ficaram menores. As empresas, além disso, têm o direito de receber de volta o que pagaram de forma indevida nos últimos anos. O custo dessa tese para a União está estimado em R$ 358 bilhões, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).
Agora, a Receita está afirmando que, pela lógica, a parcela do ICMS que consta nas notas de entrada, ou seja, na tomada de crédito, também não poderia ser contabilizada. “Tomando crédito menor, obviamente, vai ter um débito de PIS e Cofins maior”, diz Leo Lopes, sócio do FAS Advogados.
Ele cita como exemplo uma fabricante de calçados que gasta R$ 100 com a compra de couro ou tecido para confeccionar sapatos. Na apuração do PIS e da Cofins, ela obtém um crédito de 9,25% com a aquisição desse insumo. O Fisco está dizendo, agora, que se dentro desses R$ 100 de despesa, R$ 20 são de ICMS, a companhia só poderia utilizar R$ 80 na base das contribuições.
O acumulado dessa diferença de R$ 20, seguindo esse exemplo, é o que está sendo exigido dos contribuintes. Uma das cobranças a que o Valor teve acesso diz que se na decisão judicial que beneficia a empresa não constar expressamente a forma de cálculo a ser adotada, a Receita Federal deve utilizar a sistemática que leva em conta a retirada do imposto na saída, como decidiu o STF, e também na entrada, a etapa que gera crédito ao contribuinte.
“A Receita tenta criar uma regra de paralelismo [com a decisão do STF] que não faz sentido”, afirma Rubens de Souza, do WFaria Advogados, acrescentando que esse movimento deve gerar novas disputas judiciais. “A tomada de crédito é feita com base no que a legislação permite, e não sobre o que vem de carga da etapa anterior.”
O advogado Felipe Azevedo Maia, sócio do escritório AZM Advogados Associados, tem um cliente nessa situação. Ele diz que, por enquanto, a companhia está discutindo a cobrança administrativamente. Para o advogado, o entendimento da Receita pode, aparentemente, fazer sentido, mas, na tomada de créditos, afirma, a exclusão do ICMS só poderá ocorrer se houver mudança na lei.
“A saída é baseada nos artigos 1º e 2º das leis do PIS e da Cofins. Já o crédito está no artigo 3º. Consta que a empresa pode tomar crédito sobre toda a despesa incorrida com serviços e mercadorias adquiridas como insumo. A legislação trata de uma maneira que não abre espaço para interpretação”, diz.
Outra empresa também autuada pela Receita Federal está sendo representada pelo advogado Diego Miguita, do VBSO Advogados. O comportamento do Fisco soa como “um revanchismo”, afirma, mas não causa surpresa. Segundo o advogado, a Receita passou o recado de que essas autuações poderiam ocorrer no ano de 2019, ao publicar a Instrução Normativa (IN) nº 1911.
Essa norma regulamenta a apuração do PIS e da Cofins. Com a publicação, foi revogada uma instrução normativa anterior, a de nº 404, de 2004, em que constava, de forma expressa, a possibilidade de crédito sobre a parcela do ICMS. A norma de 2019 suprimiu esse trecho do texto.
“Ficou num limbo e o mercado percebeu, nas entrelinhas, que a Receita estava se movimentando para descontar o ICMS destacado na nota de entrada. Só que não há base legal. E, mesmo que houvesse, a Receita não poderia exigir valores não recolhidos antes da data de publicação dessa IN, já que a orientação era outra, permitindo a tomada de créditos”, acrescenta Miguita.
A percepção dos advogados é de que a Receita segurou essas autuações até ter a certeza, no julgamento do STF, sobre qual ICMS deve ser retirado do PIS e da Cofins. A União defendia o imposto efetivamente recolhido. Prevaleceu na decisão, no entanto, o ICMS que consta na nota fiscal – geralmente maior.
“A Receita certamente deixaria essa questão dos créditos de lado se tivesse vencido no Supremo” diz o advogado Luca Salvoni, do escritório Cascione. Ele vê a discussão sobre o ICMS recolhido e as autuações que estão sendo vistas agora como “caminhos diferentes para chegar a um mesmo resultado matemático”.
Há empresas que se anteciparam a essa movimentação do Fisco. Optaram por ingressar com ação na Justiça para não correr riscos e ter garantido o direito de usar o valor cheio nas apurações do PIS e da Cofins. Existe pelo menos uma decisão, proferida pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, em benefício do contribuinte (leia: TRF de São Paulo mantém ICMS no cálculo).
A Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foram procuradas pelo Valor, mas não deram retorno. (Colaborou Bárbara Pombo, de São Paulo).
Fonte: Valor Econômico