Ao ir contra a posição da Receita em solução de divergência, a Câmara Superior gera insegurança jurídica e estimula os contribuintes a se socorrerem ao Judiciário

Recentemente a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) analisou a incidência do PIS e da Cofins sobre valores recebidos pela empresa centralizadora a título de compartilhamento de rateio de despesas, surpreendendo com uma posição distinta da até então proferida pelo tribunal administrativo e pela Receita Federal do Brasil.

O acórdão nº 9303-012.980, de março deste ano, reconheceu a possibilidade de concentração dos gastos em uma única empresa do grupo econômico, mas considerando que os valores assim recebidos configurariam ressarcimento por prestação de serviço.

De acordo com a decisão, “os valores recebidos pela pessoa jurídica centralizadora das atividades compartilhadas, das demais pessoas jurídicas integrantes do grupo econômico, por conta dos serviços prestados, ainda que referidos como reembolso, integram a base de cálculo da contribuição para a Cofins, devida pela pessoa jurídica centralizadora”.

Nos termos do voto vencedor, seguido pela maioria, o tribunal administrativo não estaria vinculado à Solução de Divergência – Cosit nº 23, de 23 de setembro de 2013, uma vez que a Receita Federal teria afastado a incidência do PIS e da Cofins somente sobre gastos relacionados a “apoio administrativo” no bojo do contrato de rateio. O voto assevera, ainda, ser “inócua” a discussão sobre o rateio de gastos estar vinculado, ou não, à atividade principal da empresa, visto não ser possível classificar atividade-fim e atividade-meio de uma empresa.

Ademais, a posição majoritária concorda não haver dispositivo legal que trate de rateio de despesas comuns no Brasil, sendo permitido que um gasto seja realizado por uma pessoa jurídica e o custo repassado para outra somente em duas situações: consórcio (Lei nº 6.404/76) e mandato (Lei nº 10.406/2002). Como o rateio não se assemelha a nenhuma dessas hipóteses, a situação seria de receita de prestação de serviço, sobre a qual incidiriam PIS/Cofins independentemente do intuito de lucro.

Essa nova posição do Carf inaugura um cenário de total insegurança jurídica aos contribuintes ao colocar em xeque a figura do contrato de compartilhamento de despesas em um mesmo grupo econômico. Não se pode concordar com esse posicionamento.

O contrato de rateio de despesa é celebrado quando empresas de um mesmo grupo econômico escolhem, entre si, uma determinada empresa (denominada centro de custos ou sociedade-mãe), encarregando-a de desenvolver bens, serviços ou direitos em proveito de todas, nela centralizando os custos e as despesas, com o intuito de minimizar encargos e maximizar resultados globais do grupo econômico.

Nesses casos, tais despesas ou gastos incorridos pelo centro de custos são rateados, de acordo com os critérios estabelecidos no contrato, entre as demais empresas do grupo que deles se beneficiem de alguma forma. A esse respeito, já tivemos a oportunidade de explorar o tema em profundidade no livro “Rateio de Despesas no Direito Tributário” (São Paulo, Editora Quartier Latin, 2018).

Essa modalidade de contrato pressupõe haver uma proporcionalidade nos valores pagos pelas empresas envolvidas; o contrato de rateio não tem qualquer intuito de lucro ou adição de margem de lucro; as pessoas jurídicas pertencem ao mesmo grupo econômico e as despesas rateadas não são parte da atividade principal da empresa-mãe.

Assim, a empresa-mãe recebe valor das demais empresas envolvidas em razão das despesas comprovadamente incorridas na consecução das atividades preestabelecidas e que não se relacionam ao objeto social da empresa-mãe.

Assim, enquanto a empresa centralizadora trata os valores como reembolsos de despesa, as demais empresas envolvidas os tratam como despesas, que podem ser deduzidas da base de cálculo do Imposto de Renda, “quando restar devidamente comprovado nos autos que foram contratadas, assumidas, pagas e que correspondem a bens e serviços necessários, normais e usuais às atividades das empresas” (Acórdão nº 1402-004.040, de setembro de 2019).

Com relação à tributação desses valores para fins de PIS e Cofins, tínhamos o seguinte cenário: a solução de divergência da Receita Federal já mencionada admitindo a concentração, em uma única empresa, do controle de gastos referentes a departamentos de apoio administrativo centralizado com o rateio das despesas entre todas as empresas, não estando tais valores sujeitos a PIS/Cofins por se tratar de reembolso de despesa; e precedentes favoráveis das câmaras baixas do Carf admitindo a figura do rateio de despesa, afastando a exigência de PIS e COFINS sob o argumento de que tais valores consistiriam em reembolso dos valores adiantados pela empresa centralizadora (Acórdão nº 1402-003.864, de 2019).

Dessa forma, entendemos que a recente decisão da Câmara Superior do Carf andou mal ao concluir que os valores recebidos pela empresa centralizadora no contexto do compartilhamento de despesas constituem receita e, como tal, são passíveis de tributação por PIS/Cofins. Ao ir contra a posição da Receita Federal em solução de divergência, a CSRF gera insegurança jurídica e estimula os contribuintes a se socorrerem ao Judiciário.

Fonte: Valor Econômico