Projeto que será entregue nesta quarta-feira apresenta as regras de funcionamento dos novos tributos criados por emenda constitucional no ano passado: CBS, IBS e Imposto Seletivo.
Pressionado pelo calendário eleitoral, o governo entrega nesta quarta-feira (24) o primeiro de três textos para regulamentar a reforma tributária. O projeto de lei complementar terá quase 300 páginas e cerca de 500 artigos e vai detalhar as regras do novo sistema, inclusive a transição do regime atual para o futuro, que deve começar a entrar em vigor a partir de 2026.
Esse primeiro projeto tratará das regras de funcionamento dos novos tributos criados por emenda constitucional no ano passado: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), federal; o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), dos Estados e municípios; e o Imposto Seletivo (IS), para desestimular o consumo de produtos que causem “externalidades negativas”. Serão ainda oito páginas apenas com revogações de leis anteriores, capítulos à parte para os regimes específicos, e a definição dos produtos da cesta básica.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), diz que trabalhará para garantir a aprovação da regulamentação da reforma ainda no primeiro semestre. Mas, segundo parlamentares ouvidos pelo Valor, o tamanho e a complexidade do texto torna improvável que isso aconteça.
O projeto chegará ao Legislativo com um cronograma apertado. Após a entrega da matéria, restarão apenas sete semanas para o recesso parlamentar – e, na próxima, a Câmara quase não terá atividades por conta do feriado do Dia do Trabalho (1º de Maio) na quarta-feira. De agosto a outubro, a Casa deve ficar praticamente parada por causa das eleições municipais.
A expectativa é que, na semana que vem, o governo envie outro projeto de lei complementar, que tratará da regulamentação do comitê gestor do IBS e questões administrativas. Haverá ainda o envio de um projeto de lei ordinário para regulamentar o funcionamento do fundo para compensar Estados pelas perdas de arrecadação ao longo da transição para o novo sistema.
Os ajustes finais foram validados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na segunda-feira. Após a entrega do texto ao Congresso, caberá ao presidente da Câmara dos Deputados designar o relator da proposta. Nessa terça-feira, Lula sinalizou que o Palácio do Planalto tem preferência pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) para relatar os projetos de regulamentação do texto principal porque o paraibano já foi o relator da proposta de emenda constitucional (PEC) que modificou o sistema.
Lula, porém, ponderou que a designação é do chefe do Legislativo. “Ontem [segunda-feira] fechamos a proposta final daquilo que vai para regulamentação da reforma tributária. Obviamente que a Câmara pode mudar. O que seria ideal é que você tivesse o mesmo relator, porque a gente ganharia tempo. Quem indica o relator é o presidente da Câmara, mas se pudesse ser o mesmo…”, sugeriu Lula em café da manhã com jornalistas. O mandatário defendeu, sem citar Lira diretamente, que esse fator é preciso ser levado em consideração e reforçou que a designação de Ribeiro poderia “facilitar”.
Lira vem dizendo, desde o ano passado, que Ribeiro não deveria ser escalado para a função novamente, diante de inúmeros pedidos de outros deputados para assumirem a relatoria. Aliados de Ribeiro, contudo, acreditam que o presidente da Câmara está cada vez mais propenso a mudar de ideia e escolher o correligionário para evitar um atraso muito grande. Integrantes do governo, do mercado financeiro e do setor produtivo têm defendido isso em conversas com Lira.
Nessa terça, ao confirmar a data de envio da proposta, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, classificou a medida de uma “pequena revolução tributária” e voltou a afirmar que a expectativa do Executivo é aprovar a proposta na Câmara e no Senado ainda neste ano. “É uma pequena revolução tributária que está acontecendo, mais do que uma reforma”, afirmou. “É uma lei que abrange todo o sistema tributário nacional e revoga uma enormidade de leis”, destacou.
O novo sistema unifica ICMS, PIS, Cofins e ISS, que serão transformados na CBS e IBS, tributos que terão legislação única e federal, com cobrança “por fora” e arrecadação no destino. Além disso, reformula o IPI, que continuará a existir apenas para taxar produtos produzidos fora da zona franca de Manaus e concorram com aqueles fabricados na região. As diretrizes foram definidas na PEC promulgada pelo Congresso em dezembro, mas, para entrarem em vigor, precisam ser regulamentadas por leis ordinárias e complementares.
As alíquotas dos novos tributos não serão detalhadas no projeto de lei. A expectativa é que o texto contenha os parâmetros para calcular a cobrança, de forma que a carga tributária sobre o consumo se mantenha neutra. Esse cálculo será feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e validado pelo Senado.
Segundo o secretário extraordinário para a Reforma Tributária, Bernard Appy, apesar de a proposta ser extensa, “aquilo que 99% das empresas vão precisar conhecer é relativamente bastante curto”. “Uma das grandes preocupações é ter regras objetivas, que evitem a litigiosidade e ao mesmo tempo, um grau de generalidade, que não precisa ficar entrando no detalhe de bastante coisas”, afirmou Appy em reunião com a Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE). “Esperamos que as regras sejam bastante duradouras”, disse.
Appy defendeu que o novo sistema será “muito, muito, muito mais simples” e que a única obrigação do contribuinte para saber quanto terá que pagar de impostos será emitir documento fiscal eletrônico, o que já é uma obrigação hoje. A exceção, afirmou, será no caso dos regimes específicos, que terão regras diferentes de cálculo. “Mas para 90% dos contribuintes será apenas isso [a emissão da nota fiscal]”, afirmou.
A fala ocorreu para rebater o pedido de empresários, advogados e deputados que solicitaram que não haja punição para os contribuintes que errarem no pagamento dos novos impostos durante a fase de transição.
O secretário também defendeu que não haverá como usar o Imposto Seletivo com fins arrecadatórios e que o objetivo é desestimular o consumo de produtos e serviços nocivos ao ambiente e à saúde. 60% do imposto, que é federal, será repassado para Estados e municípios. “Quem vai fazer arrecadação com imposto que só fica com 40%?”, questionou.
Appy destacou ainda que a política de “cashback” (devolução de impostos para famílias de baixa renda) e os itens da cesta básica serão sugeridos pelo Poder Executivo no projeto de lei, mas a palavra final será do Legislativo.
Fonte: Valor Econômico.