Tese é precedente para repetição de indébito tributário de tributos não atualizados pela Selic

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.063.187, submetido à repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou o Tema nº 962: “é inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário”. No entanto, o racional que conduziu a formação deste tema tem o condão de gerar efeitos que superam a hipótese tratada no referido RE.

Como sinalizado pelo Ministro Dias Toffoli, relator desta ação no STF, “se fosse aceita a ideia de que tais juros de mora legais são tributáveis pelo IRPJ e pela CSLL, essa exação acabaria incidindo não apenas sobre lucros cessantes, mas também sobre danos emergentes, parcela que não se adequa à materialidade desses tributos, por não resultar em acréscimo patrimonial”.

Para alcançar essa conclusão, o Ministro Relator revisitou a hipótese de incidência do IRPJ e da CSLL e foi preciso ao reconhecer que “tanto o imposto de renda quanto a contribuição social sobre o lucro não podem incidir sobre o que não constitui acréscimo patrimonial”. Afinal, a premissa – e limite – da ocorrência da hipótese de incidência dos mencionados tributos é que haja acréscimo patrimonial do sujeito passivo da relação tributária.

Na sequência, ao tratar da natureza jurídica dos juros de mora, reconheceu-se que “a expressão ‘juros moratórios’, que é própria do Direito Civil, designa a indenização pelo atraso no pagamento da dívida em dinheiro.

Assim, partindo do exame da hipótese de incidência do IRPJ e da CSLL, somada à concepção da natureza dos juros de mora, se verifica que, embora a tese tenha sido expressamente fixada quanto à inconstitucionalidade da incidência do IRPJ e CSLL sobre a taxa Selic – que, como se sabe, engloba juros de mora e correção monetária –, o STF deixou claro que a motivação da orientação firmada decorre do fato de que os juros de mora recebidos pelo contribuinte em decorrência da repetição do indébito tributário “estão fora do campo de incidência do imposto de renda e da CSLL, pois visam, precipuamente, a recompor efetivas perdas, decréscimos, não implicando aumento de patrimônio do credor”, como apresentado no voto do Ministro Relator.

Ao final, prevaleceu o entendimento de que os juros de mora na repetição do indébito tributário não correspondem à acréscimo patrimonial para fins de incidência do IRPJ e da CSLL, dada a sua natureza de danos emergentes, que recompõem o patrimônio lesado, sem incrementá-lo.

Já se sabe que essa nova orientação trazida pelo STF promove uma alteração na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), até então pacífica em desfavor dos contribuintes em relação aos juros de mora incidentes na repetição do indébito tributário. Ao apreciar o Recurso Especial nº 1.138.695/SP, julgado sob o rito dos recursos repetitivos, o STJ havia firmado a seguinte tese: “Quanto aos juros incidentes na repetição do indébito tributário, inobstante a constatação de se tratarem de juros moratórios, se encontram dentro da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dada a sua natureza de lucros cessantes, compondo o lucro operacional da empresa” (Tema nº 505).

Também se tem conhecimento de que não houve, por parte do STF, análise da modulação dos efeitos da nova orientação firmada, o que em regra permite o atual ingresso de ações para a recuperação dos valores de IRPJ e CSLL indevidamente suportados a partir dos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação – embora não seja descartada a possibilidade de modulação em eventual pedido formulado pela Fazenda Nacional nesse sentido, por meio de Embargos de Declaração.

No entanto, mais do que isso, além de alterar a jurisprudência vinculante do STJ e, embora faça referência expressa à taxa Selic como fator de atualização do indébito tributário sobre a qual não deve incidir IRPJ e CSLL, essa nova tese fixada pelo STF permite um alcance muito maior.

Dentre as amplitudes possíveis, se verifica que esse precedente alcança também as relações vinculadas ao Direito Privado ao abarcar toda espécie de juros de mora, de forma que não se restringe apenas às hipóteses de repetição de indébito tributário.

E mais, a partir de uma análise sistêmica do desfecho do RE nº 1.063.187, se constata que o entendimento contido no Tema nº 962 deve ser lido em conjunto com a decisão proferida pelo STF por ocasião do julgamento do RE n° 606.107, que ao tratar do critério quantitativo da regra matriz de incidência das contribuições ao PIS e à Cofins, consignou que “sob o específico prisma constitucional, receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições“.

Além disso,  diante do racional adotado pela Corte Suprema para julgar o RE nº 1.063.187, o entendimento manifestado é capaz de abranger outros índices que tenham o efeito de recompor as perdas decorrentes do pagamento indevido (juros de mora) e do poder de compra da moeda em face do processo inflacionário (correção monetária), já que igualmente se afastam do conceito de acréscimo patrimonial.

Nesse caso, poderia ser considerada, por exemplo, a repetição de indébito de tributos estaduais ou mesmo municipais que não sejam atualizados pela taxa Selic, trazendo uma dimensão e um efeito muito maior ao Tema nº 962 do que aquele que se poderia imaginar a partir de uma leitura superficial desse precedente.

Portanto, entende-se que, além de trazer efeitos em relação às obrigações regidas pelo Direito Privado e quanto ao PIS e à Cofins, o precedente pode também dar suporte a pedido judicial formulado pelo contribuinte para o reconhecimento da não incidência do IRPJ e CSLL sobre os juros de mora/correção monetária recebidos em decorrência da repetição do indébito tributário, mesmo que tal atualização não seja feita pela taxa Selic.

Fonte: JOTA