Proposta de reduzir imposto cobrado de pessoas jurídicas deve beneficiar apenas grandes e pode encarecer em 80% a conta de 850 mil empreendedores menores
Uma das grandes ambições da equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro, a reforma tributária, que prometia melhorar o ambiente de negócios e simplificar a tributação no Brasil, parece ser um Cavalo de Troia. Isso porque, segundo analistas, além de trazer ainda mais complexidade ao sistema, o texto resulta em aumento da carga tributária para diversos setores, especialmente micro, pequenas e médias empresas.
Diante da repercussão negativa do projeto que altera o Imposto de Renda – apresentado no fim de junho e que já possui um texto substitutivo apresentado pelo relator na Câmara, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA) – o presidente Bolsonaro prometeu que se houver aumento de carga tributária, ele vetará, mesmo sabendo que o projeto partiu do Executivo.
“Houve um exagero por parte da Economia na reforma tributária, já está sendo acertado com o relator. Realmente a Receita (Federal), no meu entender, como é muito conservadora, foi com muita sede ao pote”, disse, em entrevista à Rádio Itatiaia, na última semana. O ministro da Economia, Paulo Guedes, por sua vez, tem sido feroz ao defender a tributação de dividendos no país e a redução do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ). Segundo ele, deixar de pagar tributos na distribuição de lucros de empresas configura um “privilégio”.
O fato é que há, sim, uma série de complexidades trazidas pelo projeto, que resultam em um aumento da carga tributária, que precisam ser corrigidas. Segundo Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, a alta nos impostos já começa no caso daqueles que não poderão mais optar pela declaração simples do Imposto de Renda – os que recebem acima de R$ 40 mil por ano (R$ 3,3 mil por mês). A atualização na tabela pode retirar R$ 10,7 bilhões a mais dessa classe.
Já no caso de pessoas jurídicas, Maciel alerta que o governo e o relator, ao defenderem a diminuição da tributação da renda, colocam o Brasil na contramão das práticas adotadas por países desenvolvidos. Ele também demonstra preocupação com a taxação de dividendos. “Pode ter certeza de que vai aumentar a sonegação, por meio da Distribuição Disfarçada de Lucros, que impactará a arrecadação. Portanto, fica maior ainda o deficit”, pontua.
Para ele, a redução do IRPJ, que aparentemente beneficia as empresas, não salva os pequenos e médios negócios de um alto impacto na distribuição de dividendos. Mais de 850 mil pessoas jurídicas optantes pelo lucro presumido – que são pequenas e médias empresas – podem ter uma alta de 80% na carga tributária.
“Minha sugestão é arquivar esse projeto. É um projeto eleitoreiro, demagógico e apresentado de supetão para ver se aprova depressa. Essas empresas são as que geram emprego. O Brasil está com 15 milhões de desempregados. No lugar de socorrer as empresas, você bate nelas”, dispara. “Ele (o governo) consegue aumentar a carga sobre os pequenos dizendo que quer tributar os ricos. Bate forte nos sistemas simplificados querendo dizer que vai simplificar. Ou seja: diz uma coisa e faz outra. Está trazendo muito mais complexidade ao sistema”, acrescenta o ex-secretário.
Sugestões
O economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e co-autor da proposta de reforma tributária da Câmara, a PEC 45/2019, diz que o projeto que busca alterar o Imposto de Renda, mesmo que seja modificado por Celso Sabino, não faz sentido. Ele comenta que se o objetivo é reduzir a tributação das empresas, o governo e o relator deveriam, no mínimo, compensar a perda de arrecadação com uma maior tributação de pessoas físicas e de aplicações financeiras, para manter a neutralidade.
“O Brasil é um país que tem duas bases muito tributadas: o consumo e a folha de salários. E tem duas bases menos tributadas, mas que deveriam ser mais, que são renda e patrimônio. Não faz sentido uma mudança que reduza a tributação da renda em R$ 50 bilhões em um país como o nosso. Vai na contramão de tudo o que todos dizem sobre o que deveria ser o desenho do sistema tributário brasileiro”, afirma.
O relator, por sua vez, tem dito que a perda de arrecadação prevista com a proposta poderá ser superada pelo crescimento da economia. Para Appy, isso é uma falácia. “A experiência internacional não mostra que existe uma correlação direta entre redução de imposto das empresas e aumento de crescimento econômico. Significa que as empresas estão aumentando sua renda. No fundo é isso.”
Nesse sentido, a proposta de Celso Sabino pode, inclusive, reduzir a tributação das pessoas mais ricas do Brasil, os grandes acionistas de empresas. Se houver reinvestimento dos lucros, a tributação é reduzida. O objetivo, segundo o governo, é fazer com que as empresas cresçam e gerem mais empregos, melhorando a economia. Esta, segundo Appy, é outra concepção equivocada. “A literatura mostra que quando se aumenta ou se introduz a tributação de dividendos, incentiva reinvestimento. Mas isso não necessariamente faz o país crescer mais”, observa.
O consultor tributário José Messias Teodoro também vê distorções e critica o aumento da carga. “Com as modificações do relator, ainda fica um resíduo de aumento de carga de 2,4%. Isso pode ser retirado da alíquota base ou do dividendo para neutralizar – que é um dos princípios da reforma tributária. O governo está na contramão. Está na hora de mudar essa tributação que penaliza o mais pobre. Uma reforma tributária não pode ser feita a toque de caixa. Precisa ser discutida com a sociedade, com a participação de todos, não só de meia dúzia. A Receita precisa parar de legislar em matéria tributária”, frisa.
O que pode mudar com o PL 2337/2021
Propostas do relator do texto
A alíquota do IRPJ, que hoje é de 15%, passa a ser de 2,5% a partir de 2023 – uma redução de 12,5 pontos percentuais. O texto do governo previa alíquota de 10% a partir de 2023;
Despesas com capacitação de administradores, sócios em eventos de curta duração passam a ser permitidos. Os gastos com planos de saúde, clubes e outros, sob a forma de Distribuição Disfarçada de Lucros (DDL), continuam proibidos;
Fim da obrigatoriedade da apuração de lucro real para empresas imobiliárias e de construção ou dedicadas à exploração de royalties, direitos patrimoniais de autor, marca ou imagem;
Os Fundos de Investimento Imobiliário (FII), que passariam a ser tributados em 15% para pessoas físicas, continuarão isentos. No texto original, os rendimentos dos fundos fechados deixariam de ser isentos e passariam a ter tratamento igual aos fundos abertos. O relator estabeleceu exceções.
Principais efeitos
Micro, pequenas e médias empresas passam a ser mais tributadas. Sócios dessas empresas, que antes eram isentos de taxas em dividendos, passam a ser taxados. O teto de isenção passa a ser de R$ 20 mil, igualando condições entre o primeiro grupo e as grandes empresas;
Pessoas físicas que ganham acima de R$ 40 mil por ano (R$ 3,3 mil por mês) passam a pagar mais impostos, já que não poderão mais optar pelo desconto simplificado de 20% e terão de fazer a declaração completa;
Menor tributação de renda, na direção oposta do que é feito em países desenvolvidos como os Estados Unidos – onde se tributa mais a renda e menos o consumo. Pessoas físicas passam a ser isentas se ganham até R$ 2,5 mil mensais e pessoas jurídicas passam a pagar alíquota de 2,5% no IRPJ a partir de 2023.
Fonte: Fenacon