Levantamento aponta uso de créditos em 68% dos 66 firmados no 1º semestre

A possibilidade de uso de prejuízo fiscal tem incentivado contribuintes a fechar acordos com a Fazenda Nacional – as chamadas transações tributárias. Levantamento do escritório Buttini Moraes Advogados, feito a pedido do Valor, mostra que em 68% dos 66 firmados no primeiro semestre há a previsão de adoção desses créditos para o pagamento de dívidas tributárias.

Entre janeiro e junho deste ano, 45 transações individuais foram fechadas com a possibilidade de uso dessa “moeda” no país, de acordo com o levantamento realizado com base em dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). De agosto – quando passou a ser possível essa medida – a dezembro de 2022, foram apenas 15.

O volume total de acordos também aumentou, na mesma base de comparação. Passou de 45 para 66 – com e sem uso de créditos de prejuízo fiscal.

“Os números mostram que o interesse do contribuinte em transacionar com a Fazenda Nacional está relacionado com a chance de usar o prejuízo fiscal”, afirma Sergio Villanova Vasconcelos, do Buttini Moraes Advogados. “Não é só pela redução de multa e juros, como ocorreu em parcelamentos passados, como o Refis, mas em não gerar desembolso de caixa.”

Ligia Ferreira de Faria, do mesmo escritório, acrescenta que “a transação tributária sem a possibilidade de uso de prejuízo fiscal não é interessante”. Para ela, levando-se em consideração a quantidade de devedores de tributos no Brasil, o número de acordos com a Fazenda Nacional poderia ser bem maior.

De acordo com a PGFN, R$ 58 bilhões foram regularizados até agora por meio de acordos individuais – pouco mais de 10% dos R$ 498,1 bilhões regularizados em todas as modalidades de transação desde 2020. O estoque atual da dívida ativa da União é de aproximadamente R$ 2,7 trilhões.

O uso de prejuízo fiscal do Imposto de Renda (IRPJ) e de base negativa de CSLL como “moeda” evita, na prática, desembolso de dinheiro pelos contribuintes. A Lei nº 14.375, de junho de 2022, autorizou a adoção desses créditos para a liquidação de 70% da dívida após descontos.

Mas existem limites. Além de ser a última “moeda” aceita nas transações, esse crédito só pode ser utilizado para pagar débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação, segundo a Portaria PGFN nº 6.757.

A regra, que passou a valer em agosto de 2022, beneficia empresas que, por avaliação da Fazenda Nacional, têm rating “C” ou “D”, e aquelas em recuperação judicial ou extrajudicial.

A autorização para o uso de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL nas transações individuais simplificadas de devedores em recuperação judicial ou extrajudicial passou a valer este mês, com a edição da Portaria PGFN nº 1.241. Até então, não havia essa possibilidade nessa modalidade de transação – direcionada a contribuintes com dívidas de R$ 1 milhão até R$ 10 milhões.

A PGFN, em nota ao Valor, justifica o limite. Afirma que quando o objeto da negociação é a dívida ativa, o uso desse benefício excepcional exige a irrecuperabilidade do crédito. “É que, do contrário, haveria renúncia de receita porquanto o crédito, a partir do critério objetivo que é a capacidade de pagamento (Capag), seria recuperável”, diz.

A classificação da Fazenda Nacional sobre a capacidade de pagamento do contribuinte tem sido o ponto sensível nas transações, dizem advogados tributaristas.

Em um contexto de questionamentos sobre o assunto, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional decidiu tornar mais transparente o cálculo realizado para medir a capacidade de pagamento dos contribuintes. Também vai abrir, no site do órgão, um caminho para que possam questionar os enquadramentos. As mudanças estão na Portaria PGFN nº 1.241.

“As alterações dão ao contribuinte mais chances de alterarem seu rating, de forma a possibilitar a utilização do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa da CSLL”, afirma Sergio Villanova Vasconcelos, que aponta ainda situações de clientes que possuem rating alto, mas não têm liquidez para conseguir quitar as dívidas.

Os advogados do Buttini Moraes também analisaram o conteúdo dos acordos em que houve sinal verde para uso de prejuízo fiscal. Apenas quatro das 66 transações firmadas este ano não fazem qualquer referência à capacidade de pagamento do contribuinte.

Na maioria dos casos (65%), há classificação dos débitos como irrecuperáveis ou de difícil recuperação. Em outros 28,3% há menção de que a situação econômica do contribuinte foi levada em conta.

O advogado Paulo Henrique Gomes da Costa, do Medina Guimarães Advogados, entende que os critérios para uso dos créditos deveriam ser mais objetivos. “Criaria um direito para o contribuinte. Hoje, é subjetivo, é uma possibilidade outorgada à procuradoria”, diz. Em muitos casos, acrescenta, “o que está na análise da procuradoria não reflete a realidade e o dia a dia do contribuinte”.

Segundo Richard Edward Dotoli, sócio do escritório Costa Tavares Paes e professor na FGV-RJ, o empresariado tem resistido a fazer desembolsos de caixa diante de incertezas econômicas. Ele cita as indefinições sobre aumento de receita para cobrir o rombo das contas do governo e da alíquota do imposto sobre bens e serviços depois da reforma tributária.

“É preciso que venha do governo o estímulo capaz de convencer o contribuinte a sacrificar o fluxo de caixa”, afirma.

A Fazenda Nacional diz que “está perpetuamente atenta às necessidades e oportunidades na promoção da justiça fiscal, o que também envolve maior estímulo à celebração de transações”.

Cita que, desde o início das transações em 2020, mais de 1,9 milhão de acordos foram fechados, com valores que chegam a meio trilhão de reais. “Esses dados demonstram o grande sucesso e aceitação do instituto da transação tributária pelos agentes de mercado e pela comunidade jurídica”, diz.

Fonte: Valor Econômico