Protesto impedia a inclusão de dívidas na chamada transação excepcional, de até R$ 150 milhões

Empresas têm recorrido à Justiça para conseguir incluir dívidas em transações tributárias. Em uma recente decisão, a 5ª Vara de Execuções Fiscais de São Paulo suspendeu o protesto de certidões de dívida ativa (CDAs) para que um contribuinte pudesse se beneficiar dos descontos e prazo de pagamento oferecidos pela Fazenda Nacional.

O protesto impedia a inclusão dessas dívidas na chamada transação excepcional – de até R$ 150 milhões. Na Justiça, a empresa alegou que já tinha feito a adesão ao parcelamento, por meio de outras certidões de dívida ativa, com o recolhimento da primeira parcela, e buscava suspender a medida para incluir as restantes, cinco no total.

Ao analisar o caso, o juiz Raphael José de Oliveira Silva considerou o protesto uma ferramenta legítima, destacando decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 5.135) nesse sentido. Porém, entendeu que “é possível a ocorrência de situações que demonstrem a desnecessidade momentânea da medida” (processo nº 5016591-39.2022.4.03.6182).

“Foi comprovado que a executada efetivamente buscou o parcelamento dos débitos junto à exequente [Fazenda Nacional], bem como a necessidade de esclarecimento quanto às razões pelas quais o pedido não foi deferido à totalidade dos débitos. Nesse estágio de cognição unilateral e urgência demonstrada, observa-se o interesse da requerente em equalizar o débito e a incompatibilidade entre a situação de fato e o protesto mencionado”, diz o magistrado na decisão.

Em outro caso, o contribuinte recorreu ao Judiciário para que débitos fossem inscritos na dívida ativa da União – medida necessária para adesão à transação tributária e que demoraria pelo menos 90 dias. Esses débitos, de contribuições previdenciárias, são oriundos de parcelamento simplificado. Recentemente, a empresa foi excluída por inadimplência.

Nessa situação, o contribuinte poderia pedir o reparcelamento, mas teria desembolsar, como primeira parcela, até 20% do total do débito consolidado. Porém, conforme alegou no processo, não teria condições financeiras para o pagamento. A saída seria a transação tributária, com prazo para adesão – era 31 de outubro e depois passou para 30 de dezembro.

Por meio dos acordos de transação, respaldados pela Lei nº 13.988, de 2020, o valor seria menor. Além de permitirem o pagamento dos débitos em até 142 parcelas, explica no processo, autorizam a redução do valor da entrada em até 1% do importe total da dívida, prevendo ainda desconto nos juros e multa (processo nº 5009103-28.2022.4.03.6119).

Com a urgência, o juíza Milenna Marjorie Fonseca da Cunha, da 5ª Vara Federal de Guarulhos (SP), determinou a inscrição dos débitos em dívida ativa no prazo de 48 horas. Para ela, diante das peculiaridades da situação concreta, “afronta o princípio da razoabilidade impor ao impetrante que aguarde o fim do prazo de 90 dias previsto na Portaria PGFN nº 6.155/2021”.

Advogados dos dois casos analisados pela Justiça Federal, Eduardo Correa da Silva e Eduardo Pereira da Silva Jr., do Correa Porto Advogados, destacam que a transação é uma ferramenta excelente para quem pretende quitar ou pagar os débitos em um prazo alongado. Por isso, acrescentam, para muitos, a saída é buscar o Judiciário quando há qualquer impedimento que ultrapasse os limites legais.

A advogada Maria Andréia Ferreira dos Santos Santos, do escritório Machado Associados, já obteve liminar para impor à Receita Federal a inscrição na dívida ativa de clientes que queriam aderir à transação (processo nº 5021106-72.2022.4.03.6100). “Cada dia mais, o instituto da transação tributária se torna atrativo. Com isso, os empecilhos vão surgindo nas bancas”, diz.

Segundo ela, o sistema da procuradoria tem uma trava que faz com que, nos cinco dias após o envio da CDA para protesto, não seja admitido nenhuma espécie de parcelamento ou transação. “Atrapalhando o contribuinte que precisa fazer a transação nesse período.”

Para a advogada, a decisão judicial que susta o protesto é interessante porque o juiz percebeu a urgência e risco para o contribuinte. Também porque, acrescenta, é clara a aplicação da razoabilidade e da proporcionalidade. “Uma ação do Estado que cause eventuais restrições, como travamentos de sistema, não pode gerar prejuízo para os contribuintes”, afirma.

Já a advogada Priscila Faricelli, do Demarest, pondera que essa situação é bem específica. “A rigor, com base na Portaria nº 21.562, de 2020, que trata da transação, o fato de a dívida estar protestada não impede a adesão”, diz. “O início da transação pausa o protesto.”

Mas Priscila afirma que, muitas vezes, quando o contribuinte pede na Justiça a sustação de protesto, o juiz nega por entender que a competência dele é só analisar a dívida. Nesses casos, segundo ela, é preciso entrar com ação cível para sustar o protesto.

A advogada destaca que, na recente decisão, o juiz considerou todos os débitos ajuizados – inclusive os protestados -, além da intenção da empresa de regularização. “A decisão reforça a sinalização de que o Judiciário compreende que o intuito maior da transação é auxiliar os contribuintes a se regularizarem.”

Procurada pelo Valor, a PGFN não respondeu até o fechamento da edição.

Fonte: Valor