Tributaristas acreditam que a questão só será pacificada quando o STF se debruçar sobre recurso extraordinário

A inclusão dos créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins é discutida há anos nos tribunais, com jurisprudência favorável ao contribuinte no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e na Justiça Federal. Nas últimas semanas, porém, o assunto voltou à tona com uma decisão da 3ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em sentido oposto ao da jurisprudência predominante sobre o tema.

O colegiado decidiu, por cinco votos a três, no processo 10314.724116/2015-42, da Johnson & Johnson do Brasil, que os créditos presumidos compõem a base de cálculo das contribuições. Prevaleceu a interpretação de que o contribuinte deveria cumprir requisito da Lei 12.973/2014, contabilizando os valores em reserva de incentivos fiscais, a fim de que o benefício fosse considerado subvenção para investimento e fizesse jus à isenção. O mesmo entendimento já havia sido aplicado em 2021, ao processo 10314.720434/2015-34.

Para tributaristas, as decisões administrativas sinalizam que o tema só será pacificado quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar o recurso extraordinário (RE) 835.818, por enquanto sem data para análise.

Em abril do ano passado, nesse julgamento, o STF chegou a fechar o placar de 6X5  pela exclusão dos créditos presumidos do ICMS da base de cálculo das contribuições, em julgamento no Plenário virtual. A maioria acompanhou o voto do relator, Marco Aurélio de Mello, que entendeu que os créditos constituem renúncia fiscal e não podem ser considerados receita.

No entanto, como o ministro Gilmar Mendes pediu destaque, a discussão será reiniciada no Plenário físico, com uma composição da Corte diferente do primeiro julgamento, já que, desde então, foram nomeados os ministros Nunes Marques e André Mendonça.

Já o STJ tem julgados tratando a questão dos créditos presumidos sob dois aspectos. Um diz respeito à da natureza dos créditos, que, no entendimento do tribunal, não constituem receita e, portanto, não devem compor a base de cálculo do PIS e da Cofins (REsp 1.025.833/RS e agravo regimental no REsp 1.229.134/SC, decisões de 2008 e 2011, respectivamente).

O segundo aspecto está relacionado à autonomia dos estados para conceder incentivos fiscais. Sob essa ótica, a tributação, pela União, da renúncia fiscal gerada por incentivos estaduais violaria essa autonomia e o pacto federativo (EREsp 1.517.492/PR, julgado em 2017). Esse entendimento foi confirmado em abril de 2021, no julgamento do EREsp 1.443.771/RS. Esses julgados também concluem que o crédito presumido de ICMS não constitui lucro ou renda. Embora, no caso concreto, a discussão diga respeito à base de cálculo do IRPJ e CSLL, tributaristas defendem que o racional pode ser transposto para o PIS e a Cofins, pois a decisão tem como fundamento um princípio constitucional.

Para a tributarista Camila Galvão, do Machado Meyer, o argumento de que os créditos presumidos do ICMS não têm natureza de receita encerra a discussão em se tratando da base de cálculo do PIS e da Cofins.

“Essa questão de [ofensa ao] pacto federativo é um ótimo fundamento, mas é um fundamento adicional. O fato de não ser receita é suficiente para não ter incidência [do PIS e da Cofins]. Esses créditos presumidos simplesmente reduzem o ICMS devido, incidindo antes do nascimento da obrigação de pagar”, argumenta.

Justiça Federal

Com as decisões do STJ, o entendimento de que os créditos presumidos do ICMS não integram a base de PIS e Cofins passou a ser adotado na Justiça Federal. Todos os Tribunais Regionais Federais (TRFs) têm decisões favoráveis ao contribuinte, citando os precedentes do STJ.

No Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), é possível encontrar ao menos seis decisões. No TRF3, foram encontrados três precedentes, e o TRF2, TRF1 e TRF5 registraram, cada um, duas decisões (confira os números dos processos no fim da matéria). Os acórdãos abrangem um período de 10 anos, de 2012 a 2022.

No caso do Carf, Marcos Matsunaga, sócio do Ferraz de Camargo e Matsunaga Advogados, ressalta que, pelo Regimento Interno, o tribunal administrativo só fica vinculado aos entendimentos do STJ no caso de julgamento sob o rito dos recursos repetitivos.

“Como o regimento só obriga a seguir [o STJ] quando a decisão é em recurso repetitivo, teoricamente, os conselheiros estão livres para julgar do jeito que entenderem. Mas não deixa de ser um absurdo.  A gente não está falando de um tema recente, sujeito a mudança. A gente está falando de  uma jurisprudência consolidada há 14 anos, e o Carf deveria contribuir para a segurança jurídica”, avalia.

Carf

No tribunal administrativo, a discussão recente sobre a inclusão ou não dos créditos presumidos na base de cálculo do PIS/Cofins levou em conta critérios diversos dos considerados pelo STJ. Em abril, a 3ª Turma da Câmara Superior decidiu, por cinco votos a três, no processo 10314.724116/2015-42, da Johnson & Johnson do Brasil, que os créditos presumidos compõem a base das contribuições.

Os conselheiros concluíram que o contribuinte deveria cumprir requisito da Lei 12.973/2014, contabilizando os valores em reserva de incentivos fiscais, destinada à absorção de prejuízo ou aumento do capital social. Só assim o benefício seria considerado subvenção para investimento, garantindo a isenção. É considerada subvenção para investimento a modalidade em que o contribuinte deve dar contrapartidas ao ente federativo em troca do benefício fiscal, como implantação e ampliação de empreendimento econômico.

O racional aplicado no julgamento deste ano foi idêntico ao usado, em 2021, na análise do processo 10314.720434/2015-34, de relatoria do conselheiro Rodrigo Pôssas, envolvendo a mesma situação e o mesmo contribuinte.

“Os votos vencedores [no Carfna realidade não abordaram frontalmente essa questão de não caracterização [dos créditos presumidos do ICMS] como receita. Entenderam que, para que os créditos não fossem tributados, teriam que seguir os requisitos aplicáveis para a não tributação pelo Imposto de Renda, como constituição de reserva”, observa Camila Galvão.

Discussão anterior

Para Marcos Matsunaga, a discussão sobre a natureza do benefício fiscal precede o debate sobre subvenção para custeio ou investimento. “Não se pode misturar a discussão da natureza do incentivo fiscal à discussão se é subvenção para investimento ou custeio. Não se trata de saber se [o contribuinte] observou os requisitos da Lei 12.973/2014, porque a discussão é anterior a isso. Você não tem a incidência [de PIS e Cofins] simplesmente porque esse crédito presumido não é receita tributável”, diz.

Já Matheus Bueno, sócio do Bueno Tax Lawyers, destaca que, apesar de a Lei Complementar (LC) 160/2017 ter igualado os benefícios fiscais, considerando todos como subvenção para investimento, a Receita continua exigindo o cumprimento de requisitos previstos em outras legislações, como a Lei 12.973/2014 e a Lei 11.941/2009.

“A briga do fisco sempre foi  sobre o que é subvenção para investimento e o que é subvenção para custeio. Em 2017, veio a LC 160 dizendo que vai ser tudo subvenção para investimento, que nenhum benefício vai ser tributado. Depois veio o STJ acabar com a novela toda, pois, de acordo com o tribunal, nem seria preciso a constituição de reserva [de benefícios fiscais]. Mas, mesmo assim, a Receita vem soltando soluções de consulta dizendo que tem que atender à lei 11.941”, observa.

Precedentes na Justiça Federal

TRF4: 5019102-87.2018.4.04.7001; 5010977-78.2019.4.04.7104; 5018663-74.2021.4.04.7000; 5016959-61.2019.4.04.7108; 5031576-94.2012.4.04.7100 e 5007241-21.2011.4.04.7205;

TRF3: 0010234-06.2010.4.03.6100, 0000235-20.2015.4.03.6111 e 0006493-08.2013.4.03.6114;

TRF1: 0001523-12.2005.4.01.3200 e 0010303-97.2017.4.01.3400;

TRF2: 0064534-51.2018.4.02.5101 e 0007245-48.2013.4.02.5001;

TRF5: 0015593-23.2012.4.05.8100 e 0004115-34.2013.4.05.0000.

Fonte: JOTA