Decisão se baseia na necessidade de antes averiguar a preponderância da atividade da empresa
Quando uma pessoa física transfere um imóvel para integralização de capital de uma empresa cuja atividade preponderante não é imobiliária, não precisa pagar o Imposto de Transmissão sobre Bens Imóveis (ITBI), de acordo com a Constituição Federal. Mas o mesmo não acontece com as empresas do ramo imobiliário, que são oneradas pelo imposto. Uma decisão recente, no entanto, suspendeu uma incorporadora de imóveis do pagamento do ITBI nessa situação. O embasamento se deu em artigo do Código Tributário Nacional (CTN) que considera que a preponderância da atividade imobiliária estará caracterizada apenas três anos após o início de suas atividades.
A questão se refere a uma empresa constituída em 23/01/2023 com objeto social de “administração de bens próprios móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos, compreendendo compra, venda e locação, além da participação societária junto a outras empresas, na qualidade de quotista ou acionista”. O contribuinte pretendia realizar a integralização de capital com imóveis – de acordo com as normas do município de São Paulo, seria necessário recolher o ITBI antes de efetuar o registro público da transferência dos bens, já que a atividade preponderante da empresa era de venda/locação de propriedade imobiliária.
O contribuinte ajuizou mandado de segurança preventivo para não ter de recolher o ITBI no momento da transferência dos imóveis, alegando que, como a empresa tinha sido recentemente constituída e, sua atividade preponderante ainda não estava caracterizada – e por isso ela contaria com a imunidade tributária prevista na Constituição (artigo 156, parágrafo 2º, inciso I.)
Preponderância da atividade imobiliária
“O juiz se baseou em outro julgado do mesmo tribunal sobre a matéria e entendeu que seria prematura a exigência do ITBI no momento da integralização do capital social com imóveis, uma vez que ainda não estaria comprovada a preponderância da atividade imobiliária prevista no estatuto social da pessoa jurídica. Na prática, a decisão concedeu uma suspensão do pagamento do ITBI, que poderá ser exigido caso seja comprovado que pessoa jurídica auferiu (após o período de três anos) receitas preponderantes de natureza imobiliária”, explicam Michel Siqueira Batista e Caio Persici, sócio e associado do Vieira Rezende Advogados.
Para os advogados, uma interpretação literal do artigo do CTN permite concluir que a preponderância da atividade imobiliária só será objetivamente constatada após o efetivo registro contábil de receitas pela empresa. “A análise objetiva é relevante, pois o objeto social da pessoa jurídica, em muitos casos, pode não se concretizar ao longo do tempo”, consideram. Mas, por outro lado, eles lembram que a Fazenda pode alegar que a preponderância de receita é apenas um dos critérios para se aferir a atividade da pessoa jurídica.
Eles consideram há bons argumentos para pleitear a suspensão do recolhimento do ITBI, mas lembram que a decisão não é definitiva e que também há argumentos contrários. “De todo modo, a existência de um precedente é algo positivo.”
Gyedre Carneiro de Oliveira, Pedro Miranda Roquim e Bianca Moltocaro, sócia e parceiros do Carneiro de Oliveira Advogados, lembram que a jurisprudência dos tribunais estaduais já analisou esse tema no passado e já existem decisões favoráveis aos contribuintes, no mesmo sentido da liminar deferida nesse caso: “Assim é que a aplicação desta interpretação do § 2º, do artigo 37 do Código Tributário Nacional está sendo cada vez mais buscada pelos contribuintes e reconhecida pelo Judiciário, em casos de Sociedades de Propósito Específico recentes e constituídas com incorporação de imóveis, o que pode, pelo menos, postergar o pagamento do ITBI, enquanto vigentes as eventuais liminares concedidas”.
Na entrevista abaixo, os advogados do Carneiro de Oliveira e do Vieira Rezende detalham o caso.
– Em recente caso julgado pela 4ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, uma incorporadora conseguiu uma liminar para suspender o pagamento de ITBI referente à integralização de capital social. Qual é o histórico desse caso?
Michel Siqueira Batista e Caio Persici: Nesse caso, o contribuinte pessoa física constituiu pessoa jurídica em 23/01/2023 com objeto social de “administração de bens próprios móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos, compreendendo compra, venda e locação, além da participação societária junto a outras empresas, na qualidade de quotista ou acionista” e pretendia integralizar o capital social com bens imóveis.
No entanto, por conta da previsão constante no Decreto Municipal nº 62.137/2022, foi exigido o recolhimento do imposto sobre transmissão de bens imóveis (ITBI) previamente ao registro público da transferência, sob o argumento de que se tratava de pessoa jurídica com atividade preponderante de venda/locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
Assim, o contribuinte ajuizou mandado de segurança preventivo buscando afastar a necessidade de recolhimento do ITBI no momento da transferência dos bens imóveis, por entender que, uma vez que se tratava de pessoa jurídica recém-constituída, o imposto somente poderia ser exigido se após o período de três anos fosse constatada a preponderância de atividade imobiliária, caso contrário, deveria ser aplicada a imunidade tributária prevista na Constituição Federal, em seu artigo 156, parágrafo 2º, inciso I.
Gyedre Carneiro de Oliveira, Pedro Miranda Roquim e Bianca Moltocaro: Trata-se de incorporadora com o objeto social de “administração de bens próprios móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos, compreendendo compra, venda e locação, além da participação societária junto a outras empresas, na qualidade de quotista ou acionista”, aberta em janeiro de 2023, que impetrou o Mandado de Segurança nº 1006568-16.2024.8.26.0053 para suspender a cobrança do ITBI incidente na integralização dos bens imóveis no capital social da sociedade, nos termos do artigo 156, § 2º, inciso I, da CF/88, até que se verifique, após o prazo de três anos, do artigo 37, § 2º do Código Tributário Nacional (CTN)[1], qual será de fato a sua atividade preponderante.
A incorporadora sustenta que, como iniciou suas atividades em janeiro de 2023, por força do artigo 37, §2º do CTN, que determina a apuração da sua receita preponderante após o prazo de três anos do início das suas atividades, somente após o decurso deste prazo é que seria possível definir se é ou não devido o ITBI nesta incorporação, a despeito de seu objeto social contemplar a administração de bens próprios.
– O que embasou a decisão da Justiça? No caso em questão, o ITBI será cobrado após três anos?
Michel Siqueira Batista e Caio Persici: O juiz se baseou em outro julgado do mesmo tribunal sobre a matéria e entendeu que seria prematura a exigência do ITBI no momento da integralização do capital social com imóveis, uma vez que ainda não estaria comprovada a preponderância da atividade imobiliária prevista no estatuto social da pessoa jurídica.
Na prática, a decisão concedeu uma suspensão do pagamento do ITBI, que poderá ser exigido caso seja comprovado que pessoa jurídica auferiu (após o período de três anos) receitas preponderantes de natureza imobiliária.
Gyedre Carneiro de Oliveira, Pedro Miranda Roquim e Bianca Moltocaro: Na liminar, o pagamento do ITBI foi suspenso por se entender que seria “prematura a exigibilidade do tributo em tela, antes de ser cristalizada a atividade imobiliária prevista em seu estatuto ou contrato social”, com base no seguinte entendimento em caso semelhante:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO LIMINAR – ITBI – Insurgência em face de decisão que indeferiu a liminar – Alegação de inexigibilidade do crédito ante a não incidência do tributo por força de integralização do capital social em imóveis – Empresa que tem por objeto “administração da posse, detenção, direitos ou domínios, de bens móveis e imóveis próprios, bem como a locação, parceira, arrendamento e exploração agropecuária desses mesmos bens próprios” – Incidência do tributo condicionada à verificação posterior da atividade preponderante que justificaria a exação, precedida de regular procedimento administrativo – Inteligência do art. 37, § 2º do CTN – Integralização de capital havida por constituição do contrato social em 27.06.2019, com base nos valores que constavam das declarações do imposto de renda dos sócios – Possibilidade – Inteligência do art. 23 da Lei nº 9249/1995 – Decisão reformada – Recurso provido” (TJSP; Agravo de Instrumento 2012077-07.2023.8.26.0000; Relator (a): Rezende Silveira; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro de Catanduva – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/03/2023; Data de Registro: 23/03/2023).”
Vale ressaltar que a decisão não é definitiva, pois o processo aguarda sentença ainda, de modo que há chances de mudança até o julgamento final.
– A suspensão do pagamento do ITBI foi dada sob a justificativa de que a empresa era recente e que ainda seria necessário avaliar a sua atividade preponderante. Essa justificativa faz sentido, tendo em vista que se trata de uma incorporadora?
Michel Siqueira Batista e Caio Persici: O ITBI é um imposto municipal, então a análise deve ser feita de acordo com a legislação de cada município, que pode ter nuances.
De toda forma, a nível Federal o Código Tributário nacional (CTN) determina que “considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinqüenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subseqüentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo” e “se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição”.
Uma interpretação literal desse dispositivo permite concluir que a preponderância da atividade imobiliária somente poderá ser constatada de forma objetiva após o efetivo registro contábil de receitas dessa natureza pela pessoa jurídica.
A análise objetiva é relevante, pois o objeto social da pessoa jurídica, em muitos casos, pode não se concretizar ao longo do tempo.
Por outro lado, a Fazenda pode alegar que a preponderância de receita é apenas um dos critérios para se aferir a atividade da pessoa jurídica. Assim, não se pode descartar que a atividade imobiliária esteja caracterizada se no caso concreto for possível comprovar que a pessoa jurídica exerça atividades imobiliárias preparatórias e anteriores à fase de geração de receita (como construção de imóveis).
Gyedre Carneiro de Oliveira, Pedro Miranda Roquim e Bianca Moltocaro: A interpretação dada pelo Juízo foi diferente do posicionamento mais conservador sobre a matéria, que é no sentido de que, se uma empresa tem no seu objeto social a atividade imobiliária, a presunção é no sentido de que não há direito a não incidência do ITBI, pois provavelmente a receita preponderante nos anos seguintes será imobiliária.
No caso, o juiz fez uma interpretação literal do artigo 37, parágrafo 2º do CTN para concluir que, enquanto não decorrido o prazo previsto em lei, não há como afirmar, apenas com base no objeto social, que a atividade preponderante da empresa será ou não imobiliária, apesar da grande chance de ser, pois mesmo uma incorporadora pode não ter receita preponderante imobiliária no período inicial de suas atividades de três anos.
– Qual é a probabilidade de casos semelhantes serem julgados da mesma forma? Na sua visão, há sólidos argumentos para que outros contribuintes pleiteiem a suspensão do ITBI ao transferirem imóveis para integralizar o capital social?
Michel Siqueira Batista e Caio Persici: A nosso ver, há bons argumentos para pleitear a suspensão, em que pese haver argumentos contrários. Além disso, é importante mencionar que não é uma decisão definitiva; muito menos com efeitos vinculantes. De todo modo, a existência de um precedente é algo positivo.
Gyedre Carneiro de Oliveira, Pedro Miranda Roquim e Bianca Moltocaro: A jurisprudência dos tribunais estaduais já analisou esse tema no passado e já existem decisões favoráveis aos contribuintes, no mesmo sentido da liminar deferida nesse caso, como se verifica da decisão citada acima e do seguinte precedente:
“APELAÇÃO CÍVEL – Mandado de Segurança – ITBI – Integralização de imóveis do sócio ao capital social da impetrante – Pretendida não incidência do tributo municipal, nos termos do art. 156, § 2º, inciso I, da Constituição Federal – Sentença que denegou a segurança almejada – Reforma do r. decisório – Conquanto seu objeto social seja a administração de bens imóveis próprios e no seu cadastro nacional de pessoas conste a compra e venda de imóveis como atividade econômica, trata-se de empresa constituída recentemente, em 2021 – Impossibilidade de se aferir a atividade preponderante da impetrante, nos termos do art. 37, § 2º, do Código Tributário Nacional – Não incidência do tributo – Ordem concedida – Recurso provido”. (TJSP; Apelação Cível 1004573-48.2021.8.26.0319; Relator (a): Silvana Malandrino Mollo; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro de Lençóis Paulista – 1ª Vara; Data do Julgamento: 20/05/2023; Data de Registro: 20/05/2023).
Assim é que a aplicação desta interpretação do § 2º, do artigo 37 do Código Tributário Nacional está sendo cada vez mais buscada pelos contribuintes e reconhecida pelo Judiciário, em casos de Sociedades de Propósito Específico recentes e constituídas com incorporação de imóveis, o que pode, pelo menos, postergar o pagamento do ITBI, enquanto vigentes as eventuais liminares concedidas.
[1] [1] “Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.
2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.”
Fonte: Legislação & Mercados