Há decisões favoráveis aos contribuintes nas três câmaras que julgam o tema

Empreendimentos imobiliários têm conseguido cancelar no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) cobranças milionárias de IPTU Predial efetuadas pela Prefeitura de São Paulo. São valores referentes normalmente a diferenças de metragem entre o terreno e a obra concluída, exigidos, anos depois, de forma retroativa pelo município.

Há decisões favoráveis aos contribuintes nas três Câmaras do TJSP que são competentes para julgar o tema (14ª, 15ª e 18ª), segundo levantamento realizado pelo escritório Sigaud Advogados. Em São Paulo, a alíquota do IPTU Predial é de 1% do valor venal. A de IPTU (casa ou apartamento), de 1,5 %.

Quando um empreendimento fica pronto, a incorporadora precisa transmitir a chamada Declaração Tributária de Conclusão de Obra (DTCO) – obrigação acessória que deve conter a informação sobre a metragem adicional construída para pagamento do IPTU Predial. Com essa informação em mãos, a Prefeitura deveria ajustar a cobrança. Porém, demora de um a dois anos para realizá-la e passa, a partir daí, a exigir a diferença.

A Prefeitura de São Paulo não tem cobrado o IPTU no prazo devido”, diz Bruno Sigaud, sócio do Sigaud Advogados, lembrando que a Justiça já consolidou o entendimento de que cabe o pagamento do IPTU Predial mesmo antes de expedição do Habite-se.

Nos processos, a alegação dos contribuintes é a de que, uma vez transmitida a DTCO, a prefeitura deveria passar a cobrar o IPTU Predial, já no mês seguinte, sob pena de perder o prazo, com base no artigo 149, inciso VIII do Código Tributário Nacional (CTN). Esse dispositivo prevê que um lançamento somente pode ser realizado de forma retroativa quando decorrente de fato “não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior”.

Com base nessa alegação, os empreendimentos têm derrubado cobranças milionárias. “Temos casos de lançamentos retroativos que envolvem mais de R$ 40 milhões”, diz o advogado Bruno Sigaud.

Em decisão da 15ª Câmara de Direito Público do TJSP, de abril deste ano, por exemplo, os desembargadores anularam a cobrança de IPTU Predial dos exercícios de 2013 a 2016, devidos por um empreendimento. Segundo o processo, o empreendimento enviou a DTCO, em junho de 2013, com as informações sobre a nova metragem decorrente da obra realizada e a cobrança só foi efetuada três anos depois.

Assim, observa-se que, à época dos lançamentos originários, o município já tinha conhecimento da situação fática do imóvel. Logo, verifica-se que a situação descrita não se enquadra nas hipóteses legais de revisão do lançamento por erro de fato, visto que não se trata de fato que a municipalidade tenha tomado ciência apenas após o lançamento”, afirma o relator do caso, desembargador Eurípedes Faim (processo nº 1001525-94.2018.8.26.0090).

Nesse mesmo sentido decidiu a 14ª Câmara de Direito Público do TJSP, em fevereiro. Segundo a decisão, “a Fazenda Municipal somente poderia proceder à revisão dos lançamentos tributários dos exercícios de 2014 e 2015 desde que se enquadrasse a situação em alguma das hipóteses alegadas nos demais incisos do citado artigo 149 do CTN, o que não se vislumbra no caso em apreço”.

No caso, o empreendimento também emitiu a DTCO em 2013 “de modo que os lançamentos de IPTU dos exercícios de 2014 e 2015 (datados de janeiro dos respectivos anos) já deveriam ter sido realizados com base na área de 3.581 m²”, diz a decisão, que ainda ressalta que deve se levar em consideração que o lançamento de IPTU é costumeiramente feito no dia 1º de janeiro de cada exercício (processo nº 1003405-24.2018.8.26.0090)

Também há precedente favorável na 18ª Câmara de Direito Público. Envolve empreendimento que emitiu a DTCO em 2014. Segundo a decisão, “tal fato deveria ter sido considerado pela autoridade tributária para a realização dos próximos lançamentos (exercícios de 2015, 2016 e 2017), objeto desta ação. No entanto, a despeito de ter sido comunicado, o município continuou a lançar, por lapso próprio, o IPTU com base na situação fática anterior. Apenas em 2017 percebeu o próprio erro e efetuou a cobrança retroativa por meio de lançamentos complementares”.

Para os desembargadores, não se trata de erro de fato, “mas de erro administrativo propriamente dito, cometido pela própria autoridade fiscal, razão pela qual é impossível a aplicação da revisão do lançamento tributário com base no inciso VII do artigo 149 do CTN” (processo n º 1045490-05.2019.8.26.0053).

De acordo com Bruno Sigaud, os precedentes servem como um aviso à Prefeitura de São Paulo. “A prefeitura não detém prerrogativas para fazer os lançamentos retroativos contra os contribuintes paulistanos, surpreendendo-os de forma indevida”, diz.

O que esses precedentes têm em comum, segundo o advogado Pedro Casquet, do Andrade, Foz, Hypolito e Médicis Advogados, é que, mesmo com a informação da nova metragem, “a prefeitura continuou cobrando com base na área antiga e depois se arrependeu e tentou fazer o lançamento complementar”.

Nesses casos, acrescenta, nem haveria muita discussão porque valeria o princípio do “venire contra factum proprium”. “A prefeitura tinha a informação da metragem nova e continuou cobrando com base na antiga. É como se ela tivesse aceitado continuar com aquele valor.”

Procuradas pelo Valor, a Prefeitura de São Paulo e a Procuradoria Geral do Município (PGM) não deram retorno até o fechamento da edição.

Fonte: Valor Econômico