‘Tese do século’ está marcada para 29 de abril. STF definirá modulação e qual ICMS deve ser retirado da base

Advogados, empresas e a Fazenda Nacional empenham forças e atenções no julgamento dos embargos de declaração sobre aquela que é considerada a “tese do século” entre os tributaristas: a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. O recurso consta na pauta do dia 29 de abril do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), e embora a cifra bilionária de R$ 258,3 bilhões em disputa pareça suficiente para tamanha repercussão do caso, o que está em jogo vai além.

Segundo fontes consultadas pelo JOTA, deve haver alguma modulação, mas ainda não se sabe ao certo quais serão as balizas. Ainda, o julgamento vai demonstrar as tendências do Supremo de modulação em matéria tributária e pode responder à sociedade e ao mercado incertezas econômicas, jurídicas e administrativas que surgiram após a publicação do acórdão, em 2017.

Tantas lacunas surgiram porque, ainda que a discussão do mérito do recurso extraordinário 574.706 (tema 69) tenha ocorrido há quatro anos, os embargos interpostos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) trouxeram uma reviravolta no caso. O fisco pede que o Supremo esclareça uma questão até então incontroversa nos autos: o critério de cálculo da parcela do ICMS passível de ser excluída da base de cálculo do PIS e da Cofins. Será debatido se o imposto a ser retirado é o destacado na nota fiscal ou o efetivamente pago pelo contribuinte. A última hipótese, na prática, diminuiria a parcela de ICMS retirada da base de cálculo do PIS e da Cofins.

Além disso, a PGFN pede para que os efeitos da decisão não sejam retroativos e passem a valer a partir da data do julgamento dos embargos.

Na parte jurídica, o julgamento dos embargos vai resolver pendências judiciais em instâncias inferiores. No dia 16 de março de 2021, o ministro Luiz Fux, presidente do STF, pediu aos presidentes e vices dos tribunais regionais federais que evitem enviar à Corte processos sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins até a análise dos embargos de declaração.

Além disso, há a possibilidade de o STF decidir se a modulação para os recursos extraordinários necessita de 2/3 dos ministros – oito magistrados – ou se pode ser feita com seis julgadores. Caberá ao STF decidir também se os efeitos valerão ressalvadas ou não as ações ajuizadas e os valores pagos e se a modulação vale a partir de 2017 – data do julgamento do mérito – ou a partir de 2021 – data de julgamento dos embargos.

Modulação

Ainda na parte jurídica, a modulação dos efeitos da decisão tomada no RE 574.706 pode confirmar a tendência do Supremo em modular efeitos de entendimentos na área tributária. No dia 24 de fevereiro deste ano, por exemplo, o STF entendeu que os estados não podem cobrar o diferencial de alíquota de ICMS (difal), mas modulou a decisão, para que ela não tenha efeitos até o fim de 2021. No mesmo dia, os ministros também determinaram oito hipóteses de modulação na ação que decidiu pela incidência do ISS, e não do ICMS, sobre as operações com softwares.

O mesmo ocorreu no julgamento que determinou que farmácias de manipulação devem pagar ICMS sobre a venda de medicamentos de prateleira e ISS sobre a comercialização de remédios preparados sob encomenda. Neste caso, os efeitos da decisão valem a partir do dia da publicação da ata de julgamento.

Há ainda a preocupação entre os tributaristas de que o Supremo atenda aos apelos de déficit fiscal e de crise por conta da pandemia da Covid-19 e consolide a posição de modulação favorável ao fisco nas controvérsias nas quais os contribuintes saem vitoriosos.

Economia

Em relação à parte econômica estão em jogo as reais repercussões financeiras do julgamento para os cofres públicos e para as empresas. A Fazenda Nacional informou que os R$ 258,3 bilhões estão subestimados porque são relativos apenas ao ICMS recolhido, não o destacado. Se o cálculo fosse com o destacado “o impacto se multiplicará a valores imprevisíveis”, afirmou o procurador-geral da Fazenda Nacional, Ricardo Soriano, em entrevista ao JOTA.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) defende que, se o Supremo modular a decisão conforme o solicitado pela Fazenda Nacional, o julgamento terá repercussões na segurança jurídica e no Custo Brasil. O que vai contribuir para afugentar investimentos, prejudicar a retomada da economia e da geração de empregos no país.

De acordo com a entidade, no índice “Rule of Law”, do World Justice Project, referência para a avaliação da segurança jurídica de um país, o Brasil, com um indicador de 0,52, ocupa a 67ª posição entre os 128 países avaliados. A escala varia de 0 a 1 e leva em consideração a percepção de confiança que especialistas têm sobre as regras da sociedade.

Na parte administrativa, posicionamentos da Receita Federal e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) podem ser mudados. Os dois órgãos vêm adotando o critério proposto pela PGFN antes mesmo do julgamento no STF.

Em 2018, um ano após o julgamento no Supremo sobre a questão, a Receita Federal divulgou a Solução de Consulta Interna (Cosit) nº 13, de 18/10/2018, segundo a qual “o montante a ser excluído da base de cálculo mensal da contribuição é o valor mensal do ICMS a recolher”, ou seja, a Receita se antecipou ao julgamento e adotou a forma de cálculo solicitada pela PGFN em sede de embargos. Em alguns julgados do Carf, como os acórdãos 3302-006.550, de fevereiro de 2019, e o 9303-008.945, de agosto de 2019, o entendimento também tem sido como o da Receita Federal.

A discussão também terá reflexos na forma como são divulgadas as demonstrações financeiras pelas empresas. Em 29 de janeiro de 2021, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou um ofício com orientações sobre aspectos a serem observados na elaboração das demonstrações contábeis das companhias. Sobre o julgamento do RE 574.706 assim escreveu:

“A preocupação das áreas técnicas da CVM reside no risco de informação enganosa, com consequências danosas aos investidores do mercado de capitais brasileiro e, ainda, na possibilidade de distribuição de dividendos e/ou remuneração de administradores com base em resultados que podem não se materializar”.

Corrida aos gabinetes

Com a confirmação da data do julgamento para o dia 29 e informações de que o julgamento está entre as preferências de resolução do presidente do STF, Luiz Fux, fontes consultadas pelo JOTA informaram que começou uma verdadeira corrida aos gabinetes dos ministros para pedidos de conversas, audiências e apresentação de memoriais destacando os impactos desse julgamento para o Brasil.

Entidades representantes do setor produtivo, o Colégio de Presidentes das Comissões de Direito Tributário das Seccionais Estaduais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a PGFN enviaram notas e ofícios ao presidente do STF, Luiz Fux. Travou-se uma “guerra de ofícios” e cálculos entre as partes. Por exemplo, no dia 9 de abril, a OAB enviou ofício ao ministro Luiz Fux sobre o assunto. No dia 14 de abril, a PGFN enviou outro documento com esclarecimentos à nota da OAB.

Em entrevista concedida ao JOTA, o procurador-geral da Fazenda Nacional, Ricardo Soriano, defendeu que a modulação trará segurança jurídica e previsibilidade. “Significa a viabilidade da reorganização financeira e orçamentária do Estado brasileiro após a ocorrência de algo equivalente a uma mudança normativa, que se operou pela modificação da jurisprudência histórica do Judiciário”, afirma.

“A superação do entendimento pacífico não pode ter efeitos retroativos, quebrando a base de confiança até então existente e impactando tão gravemente toda a programação orçamentária do país”, complementa.

Já os tributaristas são enfáticos em afirmar que a tese da Fazenda trazida nos embargos inova e mostra-se como uma tentativa de reverter os efeitos positivos da decisão para os contribuintes. Na análise dos advogados, a Fazenda vem usando de um discurso “terrorista” para minimizar a vitória dos contribuintes. “O maior receio dos tributaristas é que essa questão não venha a ser julgada na forma como ela foi há quatro anos. Que haja uma alteração que vai gerar uma insegurança jurídica absoluta”, defende Gustavo Brigagão, presidente do Centro de Estudos das Sociedade de Advogados (Cesa) e sócio do escritório Brigagão, Duque Estrada Advogados.

“A Fazenda está agindo com argumentos ad terrorem ao dizer: ‘olha, se isso for julgado dessa forma nós vamos ter um prejuízo gigantesco, os cofres públicos terão um rombo nunca antes visto’. Porém, o fisco fala sem nem fazer prova disso”, complementa Brigagão.

Limitação temporal e material

O acórdão da relatora, ministra Cármen Lúcia, não prevê nenhuma limitação temporal ou material sobre a exclusão da base de cálculo do PIS/COFINS. Além disso, via de regra as decisões de inconstitucionalidade possuem efeito retroativo. Portanto, pelo cenário atual, sem a modulação, as empresas podem buscar a restituição do indébito – seja via compensação seja pelo precatório – dos cinco anos anteriores à propositura de cada ação.

Com isso, de um lado, há um enorme esforço dos tributaristas para que a modulação não ocorra, sob pena de diminuir a vitória dos contribuintes. Do outro, a Fazenda tenta minimizar ao máximo os impactos aos cofres públicos. “O critério do valor destacado nas notas fiscais possibilita uma restituição em cascata de montantes aproveitados mais de uma vez por diversos integrantes da cadeia produtiva. Assim, quanto maior o número de etapas, maior será o efeito cumulativo de tal distorção. O segundo da cadeia teria restituído o que ele pagou mais o que o primeiro pagou. O terceiro, por sua vez, teria restituído o que ele pagou mais o que primeiro pagou e assim sucessivamente”, comenta Soriano.

Na análise de Soriano a modulação de efeitos, além de resolver o grave problema das milhares de ações que abarrotam o Poder Judiciário, solucionará os desequilíbrios concorrenciais e de isonomia quanto a contribuintes que não judicializaram o tema ou que, tendo judicializado, obtiveram respostas distintas do Poder Judiciário ao longo dos anos.

Um exemplo trazido pela PGFN informa que, para um produto que passou pela fase industrial, atacadista e varejista, com valor de saída da operação de R$ 100 na indústria, R$ 160 no atacadista e R$ 210 no varejista, o ICMS destacado total seria de R$ 47, já o recolhido, seria R$ 21. Assim, na visão do fisco, a restituição aos contribuintes deve ser sobre R$ 21, e não sobre R$ 47.

Ou seja, no exemplo do fisco, para o industrial, a base de cálculo PIS/Cofins para o ICMS destacado e para o ICMS pago seria a mesma: R$ 90. Já a operação seguinte, no atacadista, a base de cálculo do ICMS destacado na nota fiscal seria de R$ 144 e a base do ICMS a recolher seria R$ 154. No fim da operação, no varejista, a base de cálculo PIS/Cofins para o ICMS destacado na nota fiscal seria R$ 189, já para o ICMS pago seria R$ 205.

No entanto, a diferenciação no ICMS feita pela Fazenda não é aceita pelos tributaristas. “Essa distinção: se é pago ou destacado não existe. Isso é uma pretensa criatura concebida pela Fazenda depois do julgamento para tentar reduzir o seu passivo. O que a Fazenda fez foi criar uma dificuldade”, defende Guilherme Elia, sócio do escritório Andrade Advogados Associados.

“Nunca se discutiu nesta tese o ICMS, tanto é assim que os processos sempre tramitaram na Justiça Federal, nos TRFs, que não tratam de impostos estaduais. O que se discutia era a receita do contribuinte: a ideia de faturamento comporta o ICMS incidente sobre a operação ou não? Esse sempre foi o núcleo essencial da controvérsia”, acrescenta.

O advogado Rodrigo Vieira, do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados, fez um cenário hipotético em que as alíquotas de ICMS seriam as mesmas durante a cadeia de operações e desconsiderando o eventual acúmulo de créditos de ICMS no recolhimento mensal. Por esse exemplo, considerando o total das operações de R$ 9.000, ele construiu cenários.

No primeiro cenário, se o ICMS integra a base de cálculo do PIS e da Cofins, a base é de R$ 9.000 e o valor a ser recolhido é de R$ 328. No cenário 2, se for excluído o ICMS destacado, a base de cálculo cai de R$ 9.000 para R$ 7.380 e o valor recolhido dos tributos será de R$ 269,37. No terceiro cenário, tem-se a exclusão do ICMS pago da base de cálculo do PIS/Cofins – aqui, a base de cálculo será R$ 8.100 e o valor a ser recolhido será de R$ 295,65.

“A Fazenda tentou buscar alguns trechos do voto da Cármen Lúcia para sustentar que seria o ICMS pago e não o destacado. A gente entende que existe certa má-fé porque o fisco omite alguns pontos em que está implícito que seria sim o ICMS destacado”, afirma Vieira.

Na análise de Matheus Bueno, sócio do Bueno & Castro Tax Lawyers, a situação atual do Brasil, com pandemia de Covid-19, crise política e econômica, deve impactar para que os ministros modulem a decisão.

“O Brasil de 2017 e o de 2021 são diferentes e isso deve impactar na decisão da modulação. Mas acredito que isso não deve influenciar para definir o mérito: se será o ICMS destacado ou o recolhido porque isso é uma discussão meramente jurídica”.

Fonte: JOTA