Iniciativa deve se somar à ideia de reduzir volume de litígios, com incentivo para que contribuintes desistam de disputas
A volta do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) está entre as medidas que devem compor o conjunto de ações do lado da receita que o Ministério da Fazenda pretende adotar para melhorar o resultado fiscal. A informação foi confirmada pelo JOTA, e há a expectativa de que uma medida provisória com a mudança seja divulgada nesta quinta (12/01) ou sexta-feira (13/01).
A iniciativa de mudar o voto de qualidade deve se somar à ideia de se estimular a redução do volume de litígios no âmbito do Carf, com algum incentivo para que os contribuintes desistam de disputas e façam recolhimentos para o caixa da União. Aventa-se a possibilidade de ser aberta uma transação para casos no conselho. Até o anúncio oficial das medidas, porém, pode haver mudanças.
Em 2020, por meio da Lei 13.988, o Congresso derrubou o voto de qualidade, que na maioria das vezes favorecia a União, e previu que os empates no tribunal seriam resolvidos de forma favorável aos contribuintes, em decisão que desagradou o Fisco e que é vista como fonte de perda de arrecadação.
O novo critério, porém, não substituiu totalmente o voto de qualidade, já que o então Ministério da Economia editou regulamentação (Portaria 260) prevendo que o desempate pelo presidente da turma continuaria sendo aplicado em casos específicos, como processos envolvendo declaração de compensação ou responsável solidário.
Com o desempate pró-contribuinte, teses relevantes no Carf foram revertidas a favor das empresas. O contribuinte passou a vencer na Câmara Superior, instância máxima do Carf, processos envolvendo teses jurídicas em que antes perdia.
Somente em 2022, isso ocorreu em processos envolvendo ágio com empresa veículo; ágio interno; descontos e bonificações na aquisição de mercadorias e PLR paga a diretores não-empregados. Caso o voto de qualidade seja restabelecido como único critério de desempate, a posição da Câmara Superior nesses temas pode sofrer nova reversão, dessa vez em favor do fisco.
O desempate pró-contribuinte sempre foi controverso e sua constitucionalidade é questionada no Supremo Tribunal Federal (STF). Em março do ano passado, a Corte começou a julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6403, 6399 e 6415, que questionam a regra, mas o julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Nunes Marques quando o placar estava em 5×1 para considerar válida a mudança legislativa no critério de desempate do Carf.
Judicialização
Para advogados e conselheiros do Carf, a mudança via medida provisória poderia ser questionada judicialmente por não cumprir pelo menos um dos requisitos para a edição de uma MP: o de urgência da matéria. Outro fator complicador seria que o STF ainda está discutindo a constitucionalidade do artigo que prevê o desempate pró-contribuinte.
Para Rafael Gregorin, sócio da área tributária do Trench Rossi Watanabe, a MP seria um retrocesso e causaria uma “insegurança jurídica enorme”. O advogado ressalta que a mudança pró-contribuinte aconteceu há pouco menos de três anos e, em sua avaliação, foi muito benéfica pois, entre outros pontos, teria diminuído a quantidade de discussões tributárias levadas ao Judiciário após decisão do Carf.
“Se essa MP for publicada, ela causa uma insegurança jurídica relevante. Ela não deveria ser aplicada de forma automática até porque existe uma lei em vigor, existe um processo no Supremo Tribunal Federal discutindo isso e alterar a regra do jogo do dia para a noite com certeza infringe diversos princípios constitucionais e legais”.
Um conselheiro do Carf destacou que a mudança causaria insegurança jurídica. Caso o Congresso não aprovasse a MP ou esta caducasse, por exemplo, contribuintes que tiveram julgamentos desfavoráveis de seus processos durante a vigência poderiam contestar o resultado.
Maria Teresa Grazi, advogada tributarista e sócia do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados, salienta que o julgamento sobre o desempate pró-contribuinte no STF ainda está longe de acabar e que uma possível mudança nesse tema a partir do governo poderia fazer com que os contribuintes voltassem a ter questões decididas de forma desfavorável.
“Caso essa MP realmente venha a sair, a gente só vai sentir isso nos julgamentos quando esses grandes temas voltarem a ser pauta. Também tem se falado de alteração na composição das turmas, teve mudança de presidente. É um conjunto [de fatores que podem alterar a jurisprudência]”, afirmou.
Já o advogado João Colussi, do Mattos Filho Advogados, argumenta que a mudança não levará automaticamente à arrecadação. Isso porque, em caso de derrota no Carf, os contribuintes podem recorrer à Justiça.
“Isso vai migrar e vai acabar nas barbas do Poder Judiciário. Além disso vai ser garantido por seguro garantia, e não depósito judicial. Isso não vai contar como recebível para o Fisco, para aquele equilíbrio do déficit orçamentário do novo governo”, afirma.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério da Fazenda informou que “não comenta medidas não publicadas ou não anunciadas oficialmente”.
Fonte: JOTA