Expectativa é que revisão de regras desestimule transferência de ganhos para paraísos fiscais

O Brasil poderá arrecadar entre US$ 2 bilhões e US$ 3 bilhões (R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões) adicionais por ano com o futuro acordo global tributário que obrigará as companhias multinacionais a pagar mais impostos, segundo fontes próximas das negociações que ocorrem na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O Brasil, a China, a Índia e os outros grandes emergentes fazem parte dos 130 países que endossaram o plano de tributação, em reunião virtual ocorrida ontem, antecedendo encontro de ministros de Finanças do G-20 na semana que vem na Itália.

“O Brasil foi muito construtivo, juntou-se ao acordo e se beneficiará da taxação mínima global de 15% e da realocação do direito de imposição [sobre as maiores multinacionais]’’, disse ao Valor o diretor do Centro de Políticas e Administração Fiscal da OCDE, Pascal Saint-Amans, que é o cérebro por trás dessa negociação global.

Globalmente, a OCDE calcula que os países participantes vão obter até US$ 250 bilhões de receita suplementar por ano. Pelas estimativas de fontes, o Brasil poderá ganhar assim entre 0,8% e 1,2% do total.

A taxa mínima será aplicada sobre os lucros das empresas no estrangeiro. Os governos continuarão podendo aplicar a taxação nacional sobre as companhias pelo percentual que quiserem. De um lado, o que ocorrerá é que, se uma multinacional continuar desviando parte de seus lucros para paraísos fiscais com taxação pouca ou zero, o seu país de origem poderá cobrar a diferença até alcançar os 15% mínimos. De outro, as 104n maiores múltis, incluindo as “big tech”, não vão mais escapar como agora de “taxas justas”, na expressão de negociadores.

Cerca de 36% dos lucros das multinacionais foram transferidos para paraísos fiscais entre 2015-2017. Isso reduziu a receita do imposto de renda corporativo em mais de US$ 200 bilhões por ano em bom número de países, segundo os especialistas Thomas Damsgaard Torslov, Gabriel Zucman e Ludvig Wier calcularam no estudo “Missing Profit of Nations”.

No caso do Brasil, eles estimaram que em 2017 o país perdeu US$ 6,68 bilhões – ou seja, metade do que pode agora ganhar – com a transferência de lucros de múltis para paraísos fiscais. A perda era equivalente a 12% da receita tributária.

Metade, ou US$ 3,2 bilhões, ocorreu com o deslocamento de lucros para países europeus com taxas favoráveis como Bélgica, Chipre, Irlanda, Luxemburgo e Holanda. Cerca de US$ 2,1 bilhões tomaram o rumo da Holanda, por exemplo. A outra metade do montante não arrecadado se refugiou nas Bermudas, Porto Rico, Hong Kong, Cingapura e Suíça

A expectativa agora é que a revisão das regras tributárias internacionais desestimule a transferência de ganhos para paraísos fiscais, já que de toda maneira haverá a taxação mínima global. Os países em desenvolvimento devem ter um aumento de receita após o imposto mínimo global, mesmo se essa taxação será cobrada principalmente nos países desenvolvidos onde estão as sedes das maiorias das multinacionais.

O Brasil também ganha ao aplicar a taxa de 15% sobre multinacionais brasileiras que ganham dinheiro no exterior e movimentam os dólares para paraísos fiscais na busca de imposto zero.

Pelas estimativas do Observatório Europeu de Tributação, financiado pela União Europeia (UE), Brasil poderá obter € 900 milhões (R$ 5,53 bilhões) de arrecadação adicional por ano somente com essa imposição sobre as múltis brasileiras.

Pelo acordo global, incentivos fiscais dados para investimentos de multinacionais em ativos tangíveis, ou seja, para operações “de substância”, afim de estimular desenvolvimento regional, como na Zona Franca, poderão ser excluídas da taxação mínima global.

Os ministros de Finanças do G-20 vão confirmar o avanço da negociação, em Veneza. O ministro da Economia, Paulo Guedes, resolveu não se deslocar para essa reunião e participará de forma virtual. Nenhum membro de sua equipe estará presente. A China, Japão e também Austrália seguirão com participação igualmente virtual.

Fonte: Valor Econômico