A decisão de incluir na base de cálculo de PIS e Cofins os valores decorrentes da aplicação da taxa Selic sobre tributos indevidamente pagos ao Fisco e devolvidos ao contribuinte é mais um fator a restringir o pleno aproveitamento dos efeitos da chamada “tese do século”.
A posição foi firmada pelo Superior Tribunal de Justiça ao longo de 2023 e consolidada em tese vinculante aprovada pela 1ª Seção em julgamento no último dia 20.
A discussão trata da hipótese de indébito tributário — valores gastos indevidamente pelo contribuinte em tributos e que precisam ser devolvidos pelo Fisco. Eles são corrigidos pela Selic, que embute juros e correção monetária.
O maior exemplo de indébito tributário em aplicação no momento é o da “tese do século”, firmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2017, que excluiu o ICMS da base de cálculo de PIS e Cofins.
Milhares de contribuintes ajuizaram ações para reaver valores pagos indevidamente a título de PIS e Cofins — valores que, quando reavidos ou compensados, serão incluídos na base de cálculo de IRPJ e CSLL (por aumentarem a renda) e PIS e Cofins (por representarem receita).
Os juros e a correção monetária sobre esses valores devolvidos também vão entrar na conta de PIS e Cofins, graças à posição do STJ.
O mesmo não acontecerá com IRPJ e CSLL, já que o STF decidiu, em 2021, que os valores decorrentes da aplicação da Selic não aumentam a renda do contribuinte, mas apenas indenizam a perda sofrida pela desvalorização da moeda.
A posição do STJ vale para qualquer caso de indébito tributário, mas sua aplicação é sensível para aqueles relacionados à “tese do século” porque, em regra, são processos de longa duração.
“Como essa discussão prolongou-se por décadas, os valores a serem recuperados foram sendo corrigidos pela Selic durante todo esse tempo. Com isso, essa discussão é financeiramente muito relevante para as empresas e para o Fisco”, afirma Maria Andréia dos Santos, sócia da área tributária do escritório Machado Advogados.
Ela destaca que os riscos do julgamento do STJ não foram quantificados no relatório da Advocacia-Geral da União acostado ao Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2025, mas não podem ser desprezados.
“Trata-se de uma vitória muito importante para o governo federal na área tributária”, afirma a advogada.
Venceu, mas não muito
Segundo as contas da AGU, só a “tese do século” em si ainda pode movimentar R$ 124,4 bilhões em 2025. Essa conta já foi de R$ 250 bilhões, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, na época do julgamento no STF, e de R$ 533 bilhões, para a própria AGU em 2023.
Tratam-se de projeções que foram sendo redimensionadas conforme o Judiciário, o Executivo e o Legislativo foram mostrando ao contribuinte que a vitória na “tese do século” não foi tão grande assim.
Primeiro, o Supremo modulou os efeitos temporais da tese: ela só pode ser aplicada a partir de 17 de março de 2017, exceto nos casos em que o contribuinte já tinha ajuizado ação judicial ou feito pedido administrativo para excluir o ICMS da base de PIS e Cofins.
Como a modulação só foi feita quatro anos depois da tese, a PGFN passou a ajuizar ações rescisórias para derrubar decisões favoráveis a contribuintes que entraram com processos entre 2017 e 2021. E tem obtido sucesso.
Depois, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) editou a Medida Provisória 1.202/2023, estabelecendo um limite para a compensação de créditos tributários decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado que superem o valor de R$ 10 milhões.
Nas palavras do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o objetivo foi “evitar que multinacionais fiquem cinco anos sem pagar imposto”. A MP acabou convertida pelo Congresso na Lei 14.873/2024.
E o mais recente “porém” para o gozo da “tese do século” foi aquele imposto pelo STJ.
Faltou sensibilidade
“A decisão da 1ª Seção do STJ gerará um impacto significativo nas empresas, contrariando, inclusive, expectativas geradas pela decisão favorável do STF com relação a IRPJ e CSLL”, diz Maria Andréia dos Santos.
Guilherme Peloso Araújo, sócio do Carvalho Borges Araújo | CBA Advogados, afirma que a falta de sensibilidade do Judiciário para excluir indenizações reparatórias da base de cálculo de PIS e Cofins é digna de nota.
Ele diz que o pagamento da Selic tem o efeito de recompor o patrimônio decorrente do pagamento indevido de tributo, anulando-se o efeito da demora na reparação do contribuinte.
O resultado é obrigar “o contribuinte brasileiro, lesado pela obrigação de pagar tributo indevido, ao pagamento de novos tributos indevidos e não gozando, portanto, da íntegra reparação da ilegalidade contra ele praticada”.
Para Bruno Teixeira, sócio tributarista de TozziniFreire Advogados, a posição do STJ não apenas conflita com a do STF, mas gera uma incongruência jurídica e contábil.
Se o STF disse que o valor da Selic não acresce patrimônio, não faz sentido reconhecer esses juros como receita, segundo ele. Isso cria um embaraço contábil, porque receita é tudo aquilo que acresce patrimônio. Ela é incorporada à esfera econômica patrimonial da entidade, reduzindo passivo ou elevando ativo.
“Se o Supremo Tribunal Federal firma um posicionamento de que isso não é renda, logo não pode ser receita. Entendo que há uma incongruência no posicionamento do STJ, mas, ao mesmo tempo, compreendo a tentativa de manter uma orientação que já era esperada”, explica Teixeira.
Gustavo Vita Pedrosa, tributarista do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados, define a tese do STJ como uma grande derrota para os contribuintes.
“O impacto financeiro da vitória dos contribuintes no STJ não seria baixo, mas, independentemente do atual alinhamento dos tribunais superiores em matéria tributária com o governo federal, infelizmente, as empresas estão sujeitas às instabilidades das decisões judiciais e aos diferentes critérios adotados pelos ministros”, diz ele. “Não há sentido em alterar a natureza jurídica dos juros calculados com base na Selic para o IRPJ e para a CSLL e estipular critério diverso para o PIS e a Cofins.”
Fonte: Conjur