Com julgamento ontem na 1ª Turma, empresas acumulam precedentes favoráveis nos dois colegiados que julgam direito público

A Fazenda Nacional perdeu ontem uma importante disputa no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A 1ª Turma decidiu que os pagamentos acumulados de juros sobre capital próprio (JCP), que incluem valores referentes a anos anteriores, podem ser deduzidos da base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL. Como já havia precedente da 2ª Turma, o caminho agora para a União é o Supremo Tribunal Federal (STF).

Os juros sobre capital próprio são uma forma de distribuição de lucros, assim como os dividendos. Estão previstos na Lei nº 9.249, de 1995, e não são obrigatórios. O acionista que recebe os valores tem desconto de imposto, na fonte, de 15%. Já a empresa que distribui lança esse dinheiro como despesa e pode deduzir da base de cálculo do Imposto de Renda e da CSLL.

A divergência com a Fazenda Nacional se dá quando as empresas “atrasam” e os pagamentos são feitos de forma retroativa — calculando juros sobre capital próprio de anos passados. A Receita Federal entende que as deduções não são possíveis nesse formato.

Quando a empresa distribui JCP e desconta esses valores da base de cálculo do imposto referente ao mesmo ano não há qualquer discussão. Para o órgão, devem ser respeitados o limite legal (de 50%) e o “regime de competência”.

No STJ, a tese foi julgada em processo envolvendo o Itaú Unibanco. A 1ª Turma já havia julgado o tema em 2009 e 2019. Ainda assim a Fazenda Nacional tentou rediscutir a questão, por entender que não havia jurisprudência consolidada. Com as decisões nas duas turmas, não é possível recorrer à 1ª Seção — que uniformiza o entendimento dos colegiados de direito público.

Na sessão, o procurador Thiago Luis Eiras, da Fazenda Nacional, afirmou que a legislação não fixa prazo para pagamento de JCP, que pode ser feito mensalmente ou trimestralmente por exemplo. Mas, acrescentou, a União entende que o contribuinte precisa, a cada ano-calendário, contabilizar os juros sobre capital próprio, deduzindo o lucro do exercício ainda que o pagamento ocorra em período futuro.

O que se percebe é que a acumulação em exercícios anteriores para pagamento futuro é uma estratégia contábil que visa burlar o limite legal de dedução, criando uma terceira espécie de benefício dedutível não previsto em lei”, disse o procurador em sustentação oral.

Em seu voto, o relator, ministro Gurgel de Faria, afirmou que havia decidido monocraticamente esse processo porque há jurisprudência pacífica sobre o assunto. O caso chegou à turma, acrescentou, porque a Fazenda Nacional alegou que a jurisprudência não é pacífica.

Ambos os colegiados estão votando no sentido de que a partir de 1997 [quando ocorreu mudança legislativa] a dedução dos juros sobre capital próprio, mesmo em relação a exercícios anteriores daquele em que realizado o lucro da pessoa jurídica, é possível”, disse o relator, que foi seguido à unanimidade (REsp 1971537).

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) vai aguardar a publicação do acórdão para analisar se há possibilidade de recorrer. Mas a discussão, segundo o procurador Thiago Luis Eiras, tem contornos infraconstitucionais, o que pode dificultar a apreciação dela pelo STF.

Passa a haver no STJ uma sinalização clara, recente e uníssona de que a tese da Fazenda Nacional não prosperará”, afirma o advogado Felipe Kneipp Salomon, do Levy e Salomão Advogados.

De acordo com Salomon, o voto do relator reconhece que desde 2009 se manteve estável o entendimento do tribunal quanto ao tema, sem decisões divergentes. “É também uma sinalização de que o precedente em vigor desde 2009 ainda é valido e que os contribuintes que se pautarem por ele não serão surpreendidos.

A Fazenda Nacional, explica o advogado, alegava que o precedente de 2009 seria antigo, que a composição da turma mudou e que um só precedente não formaria jurisprudência. Mas o relator, acrescenta, citou ainda precedente de 2019, mas sobre a possibilidade de os juros sobre capital próprio serem deduzidos da base da CSLL.

A partir do julgado de 2009, outras decisões do STJ repetiram o precedente, levando a entendimento favorável até na segunda instância, segundo Priscila Faricelli, sócia da área de tributário do Demarest. Mas algumas decisões monocráticas acabaram sendo julgadas em turma, diz, porque a Fazenda recorreu, pontuando que não era um entendimento consolidado. “Agora as duas turmas decidem no mesmo sentido.

Para Priscila, não há argumento constitucional para levar a questão ao STF. “O que se discute aqui é a limitação temporal e não o benefício”, afirma. Em muitas discussões de reforma tributária, destaca, os juros sobre capital próprio são muito criticados pela Fazenda, que já tentou excluir o benefício.

Segundo Guilherme Yamahaki, sócio do Schneider Pugliese, se a empresa acumula JCP em algum período para deduzir valor maior no futuro, acaba pagando mais IRPJ e CSLL nos anos em que não fez a dedução. “É uma opção que a empresa tem porque a legislação não veda. A única regra é a dedução ser feita no mesmo ano do pagamento.

Fonte: Valor Econômico