1ª Turma da Câmara Superior anulou ontem autuações bilionárias, uma delas da Ambev
Os contribuintes estão conseguindo, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), virar a jurisprudência a seu favor num tema de impacto bilionário: o que trata da tributação de lucros de coligadas e controladas no exterior. Ontem, a 1ª Turma da Câmara Superior, última instância do órgão, anulou duas autuações, uma delas contra a Ambev, no valor de R$ 1,5 bilhão.
Até então, os conselheiros mantinham a cobrança de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL sobre lucros obtidos em países com os quais o Brasil firmou tratados para evitar a bitributação. Para eles, deveria prevalecer o artigo 74 da Medida Provisória (MP) nº 2.158, de 2001, que valeu até 2014 e estabelecia o pagamento. O entendimento foi aplicado em 2017, em caso envolvendo a Eagle, controlada da Ambev na Espanha.
Ontem, nova autuação da Ambev foi julgada na Câmara Superior. Parte dela já havia sido cancelada em julgamento realizado, em 2018, pela 2ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção. Naquela ocasião, os conselheiros afastaram a tributação sobre a controlada Labat Dinamarca (processo nº 16643.720059/2013-15).
A Receita Federal fiscalizou controladas e coligadas da Ambev, conforme indicado no processo, e cobrava Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL sobre ganhos auferidos no exterior, em países com os quais há tratado. O valor da autuação é de aproximadamente R$ 1,5 bilhão, segundo o Formulário de Referência de 2018 da Ambev.
Na 2ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção, uma peculiaridade no tratado entre Brasil e Dinamarca levou os conselheiros a uma decisão diferente da predominante no Carf em casos de tributação de lucros no exterior. No caso da Labat Dinamarca, levaram em consideração que o tratado traz previsão expressa de que lucro não distribuído de sociedade anônima não distribuído de sociedade anônima não pode ser tributado no Brasil.
Na ocasião, porém, havia sido mantida a tributação dos lucros auferidos pelas empresas controladas na Argentina (Maltaria Pampa, Lambic AS e Hohneck Sociedade Anônima). Quanto à tributação dos lucros auferidos pela empresa controlada Quinsa Luxemburgo foi admitida a compensação do imposto comprovadamente pago no exterior, limitada aos tributos devidos no Brasil.
Prevaleceu no julgamento da Câmara Superior o voto da relatora, conselheira Lívia de Carli Germano, representante dos contribuintes. Ela afirmou que, de acordo com o tratado Brasil-Argentina, dividendos distribuídos devem ser isentos.
A conselheira Edeli Pereira Bessa divergiu e foi acompanhada por outros dois conselheiros representantes da Fazenda. Os representantes dos contribuintes e o presidente, conselheiro Carlos Henrique de Oliveira, seguiram a relatora.
No julgamento, o presidente disse que, em algumas situações, sua posição é muito relevante no colegiado. Afirmou que entende as duas teorias, mas tem uma visão muito pragmática. “Embora eu entenda e respeite posições de que o tratado não se aplica, eu não vejo a menor coerência em um Estado soberano discutir a tributação para depois uma norma feita para ser geral atrapalhar uma norma específica”, afirmou.
Ao Valor, o presidente acrescentou que seu entendimento está em consonância com o dos tribunais superiores. Para ele, quando Estados soberanos firmam um tratado pra evitar bitributação, há, no caso, uma norma que bloqueia o alcance da legislação interna do país que tem princípio de tributação universal.
Na sequência, o mesmo entendimento foi aplicado em processo da OSX, que envolve tratados entre Brasil e Áustria e Brasil e Holanda. Também por cinco votos a três, a turma decidiu que a aplicação de tratados tem preponderância sobre a legislação interna (processo nº 16682.722218/2017-83).
O valor da autuação fiscal é de R$ 134 milhões, de acordo com o processo. O caso foi parar na Câmara Superior depois de a 1ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção manter, em 2019, a autuação pelo voto de qualidade, o desempate que, na época, era favorável à Fazenda.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) ainda pode apresentar recurso na Câmara Superior, mas apenas para pedir esclarecimentos ou apontar eventuais omissões (embargos de declaração) nos casos.
A Fazenda Nacional defende que, conforme precedente do STF (RE 541090), o artigo 74 da MP nº 2.158-35, de 2001, incide sobre lucros disponibilizados a contribuinte, ou seja, sobre a renda da empresa brasileira. Por consequência, a legislação nacional não viola os tratados que vedam a tributação dos lucros dos não residentes.
O artigo 74 prevê que, para fins de determinação da base do IRPJ e da CSLL, os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controlada ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados. O dispositivo foi revogado pela Lei nº 12.973, de 2014.
Fonte: Valor Econômico