Ganha força o entendimento de que responsabilidade tributária solidária poderia ser imputada na hipótese de abuso de personalidade
Tem ganhado força entre os órgãos de fiscalização e parte da jurisprudência, o entendimento de que a responsabilidade tributária solidária, prevista no art. 124 do Código Tributário Nacional (CTN), poderia ser imputada na hipótese de abuso de personalidade caracterizado por confusão patrimonial, conforme art. 50 do CC.
Não parece razoável supor que esse entendimento tenha instituído hipótese de responsabilidade tributária solidária sem amparo na legislação, só sendo possível avaliá-la como desdobramento das hipóteses contidas nos incisos do art. 124 do CTN.
Admitida essa premissa, entende-se não ser possível, em primeiro lugar, afirmar que a confusão patrimonial atribuída na forma do art. 50 do CC atrairia a responsabilidade tributária solidária do art. 124, II, do CTN, ou seja, de “pessoas expressamente designadas por lei”.
Isso porque, além do entendimento de que o art. 50 do CC sequer constitui hipótese de responsabilidade, conforme sustentam Juliana Furtado Costa Araujo, Paulo César Conrado e Camila Campos Vergueiro, e de que, se se constituísse, teria caráter subsidiário, não basta a simples designação de responsabilidade por lei, devendo se ater aos limites das normas gerais de Direito Tributário. Assim, não é toda pessoa designada por lei que será validamente considerada responsável, mas apenas aquelas que preencherem os requisitos de responsabilidades definidos no CTN.
Por outro lado, o argumento defendido pelos órgãos de fiscalização, de que a confusão patrimonial constituiria espécie de interesse comum, descrito no art. 124, I, do CTN, tampouco parece prevalecer.
A dificuldade de se definir o interesse comum, termo de textura aberta, não poderia justificar a interpretação discricionária da Administração Pública, porque a norma tributária não pode fugir às limitações do poder de tributar, notadamente do princípio da legalidade estrita. Desse modo, não se poderia extrair hipótese de responsabilidade que não esteja expressamente presente na norma tributária.
Além disso, embora uma análise isolada do “interesse comum” possa suscitar dúvidas quanto à sua extensão, o complemento “na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal” estabelece as margens em que aquele se situa. Dessa forma, como já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça[7], “[…] (o grupo econômico) por si só, não basta para caracterizar a responsabilidade solidária prevista no art. 124 do CTN, exigindo-se, como elemento essencial e indispensável, que haja a induvidosa participação de mais de uma empresa na conformação do fato gerador”.
Essa premissa já seria suficiente para afastar a interpretação de que o abuso de personalidade por confusão patrimonial, nos termos do art. 50 do CC, atrairia a responsabilidade tributária solidária. A confusão patrimonial, em síntese, traduz fato ilícito identificado à falta de separação dos patrimônios de pessoas distintas, em nada se comunicando com a situação que constitui o fato gerador da obrigação principal. Inclusive, a confusão patrimonial pode ocorrer em momento distinto do fato gerador tributário e sem qualquer participação de uma das pessoas integrantes da confusão.
E nem se poderia alegar que a confusão patrimonial comunicaria os patrimônios das empresas envolvidas, surgindo daí o interesse comum no fato gerador. A confusão patrimonial é causa da desconsideração da personalidade jurídica, e a comunicação dos patrimônios o seu efeito. Nesse contexto, para se cogitar a existência do interesse comum, seria imprescindível, primeiro, desconsiderar-se a personalidade jurídica, conforme seu rito próprio.
Como se não bastasse, deve-se registrar que o legislador deu nova redação ao artigo 50 do Código Civil, que restringiu a hipótese de responsabilização pela confusão patrimonial, passando a exigir a demonstração de que a confusão patrimonial tenha beneficiado os administradores ou sócios nela envolvidos. Sob esta perspectiva, não mais seria válida, por exemplo, eventual imputação de responsabilidade solidária ao sócio, quando tenha ele, utilizando-se de instrumentos legalmente previstos, socorrido a companhia com recursos próprios, pois não perceberia qualquer benefício.
Diante disso, seja por reescrever as circunstâncias de infração a lei tributária, de acordo com o art. 112 do CTN, ou por consubstanciar norma interpretativa, de acordo com art. 106, I, do CTN, deverá ser o art. 50 do CC aplicado para afastar a responsabilidade tributária solidária eventualmente atribuída por suposta confusão patrimonial quando não demonstrado o benefício auferido pelos sócios ou administradores.
Por tudo isso, entende-se não ser possível se aplicar a responsabilidade tributária solidária sob a justificativa de confusão patrimonial, por falta de aderência às hipóteses do art. 124 do CTN, e, nos casos em que tenha sido equivocadamente aplicada, ser possível afastá-la com base na nova redação do art. 50 do Código Civil que exige a presença de benefício dos sócios ou administradores decorrentes da confusão patrimonial.
“Nesse particular, o Superior Tribunal de Justiça entende ser aplicável a responsabilidade solidária do art. 124 do CTN quando há comprovação de práticas comuns, prática conjunta do fato gerador ou, ainda, quando há confusão patrimonial”. (STJ; Recurso Especial nº 1.689.431/ES; Relator Ministro Herman Benjamin; Segunda Turma; DJe: 18/12/2017)
Pois é justamente aí – porque o reconhecimento da “responsabilidade patrimonial” não se vincula, infalivelmente, ao prévio reconhecimento da “responsabilidade tributária” – que está a razão pela qual, mesmo virtualmente desencaixado dos conceitos normativos de “responsabilidade tributária”, o grupo econômico de fato pode, ainda assim, sofrer os efeitos práticos de uma dada obrigação tributária. ARAÚJO, Juliana Furtado Costa, CONRADO, Paulo César, VERGUEIRO, Camila Campos. Responsabilidade Tributária. 1 Ed. Revista dos Tribunais, 2017, pg. 155.
TJSP; Agravo de instrumento nº 2253947-24.2018.8.26.0000; Relator Desembargador Virgílio de Oliveira Junior; 21ª Câmara de Direito Público; DJe: 27/03/2019.
“Por sua vez, o inciso II acima transcrito, ao se referir a pessoas “expressamente designadas por lei” não há de ser lido fora do contexto do Código Tributário Nacional. Afinal, o artigo 128, como será visto, limita a possibilidade de designação do responsável a alguém que esteja vinculado ao fato jurídico tributário. Assim, a solidariedade não poderá alcançar qualquer pessoa, mas apenas alguém que possa ser enquadrado como responsável”. Schoueri, Luís Eduardo. Direito Tributário. 6ª Ed. Saraiva. SP. 2016. Pg. 574.
“O interesse jurídico comum deve ser direto, imediato, na realização do fato gerador que deu ensejo ao lançamento, e resta configurado quando as pessoas participam em conjunto da prática dos atos descritos na hipótese de incidência. Essa participação em conjunto pode ocorrer tanto de forma direta, quando as pessoas efetivamente praticam em conjunto o fato gerador, quanto indireta, em caso de confusão patrimonial, quando ambas dele se beneficiam em razão de sonegação, fraude ou conluio”. (Parecer COSIT/RFB nº 04, de 10 de dezembro de 2018)
AgInt no AREsp nº 1.035.029/SP; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia, Primeira Turma, DJ: 30/05/2019.
Fonte: JOTA