Decisões da Câmara Superior são as primeiras a favor do contribuinte
Os contribuintes conseguiram no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) dois importantes precedentes contra a responsabilização de sócios e dirigentes de empresas por infrações tributárias. A Câmara Superior – última instância do órgão – entendeu que só podem ser responsabilizados se for comprovado o interesse comum e houver a individualda conduta.
Esses são os primeiros julgados da Câmara Superior nesse sentido que se têm notícias, segundo advogados tributaristas. Ambos são da 3ª Turma, por maioria de votos, e representam uma guinada no entendimento.
Os dois processos analisados são resultado da Operação Corrosão, deflagrada pela Receita Federal em 2015 – 20ª fase da Lava-Jato. Nela estão envolvidas diversas empresas da área de metais e reciclagem que teriam supostamente participado de um esquema fraudulento, que consistiria na criação de 21 empresas fantasmas para a emissão de documentos falso, com a finalidade de geração de créditos e despesas fictícias.
Um dos casos chegou à Câmara Superior por meio de recurso da Fazenda Nacional contra decisão da 2ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção. Por maioria, os conselheiros deram razão ao contribuinte. Entenderam que para caracterizar a solidariedade, prevista no inciso I do artigo 124 do Código Tributário Nacional (CTN), “deve-se demonstrar de forma inequívoca o interesse comum na situação que caracteriza o fato gerador”.
Segundo a decisão, a responsabilidade por infrações, estabelecida no artigo 135, inciso III, do CTN, deve ser atribuída aos sócios administradores, sócios de fato e mandatários da sociedade “se restar comprovado que tais pessoas exorbitaram as suas atribuições estatutárias ou limites legais, e que dos atos assim praticados tenham resultado obrigações tributárias”. Se não houver essa comprovação, “não há que se atribuir a responsabilidade solidária”.
Em seu voto, a relatora, conselheira Vanessa Marini Cecconello, afirma que a aplicação do artigo 135 do CTN “requer a individualização da conduta dos solidariamente responsáveis, com a indicação precisa do ato infracional que gerou o enquadramento naquele dispositivo de lei”.
Ainda acrescenta que “a infração à lei capaz de atrair a incidência da norma em comento deve ser de natureza societária, tendo em vista constituir-se o objetivo da regra responsabilizar o administrador que atua à revelia dos interesses da pessoa jurídica” (processo nº 13819.723481/2014-66).
No outro processo, o recurso analisado foi apresentado por contribuintes. O caso também foi relatado pela conselheira Vanessa Marini Cecconello. Ela afirma, em seu voto, que no caso concreto “não se desconhece que houve simulação de operações que não ocorreram de fato e omissões de apresentação de declarações tributárias”. No entanto, acrescenta, “não houve vinculação direta de condutas com os indicados como responsáveis solidários, afastando-se a responsabilidade” (processo nº 13819.723484/2014-08).
Essas decisões, de acordo com Joana Guimarães, do Carlos Antonio dos Santos Advogados, que assessorou contribuintes nos processos, representam uma mudança de posicionamento da Câmara Superior sobre o tema. Antes, diz, o que predominava era o entendimento de que a simples prática de infração, independentemente de individualização de condutas, já justificaria a manutenção de sócios e dirigentes no polo passivo da autuação.
“Agora precisa se comprovar esse vínculo econômico e jurídico e individualizar as condutas”, afirma a advogada, acrescentando que os processos poderão servir de precedentes para outros casos que envolvam responsabilização de sócios e dirigentes.
Para Joana, esse novo entendimento deve trazer julgamentos mais equilibrados e também reduzir litígios judiciais sobre o tema. Ela destaca que seus clientes sequer eram sócios ou dirigentes diretos ou indiretos das empresas envolvidas e não tinham qualquer participação societária.
Na opinião do advogado Maurício Faro, do BMA Advogados, que também assessorou contribuintes nos processos, as decisões são muito positivas porque tem sido comum a fiscalização imputar a responsabilidade solidária a sócios e dirigentes, sem comprovação e individualização da conduta.
“Existem muitas decisões no Carf que condenam sócios e dirigentes pelo conjunto da obra. Essas decisões da Câmara Superior, contudo, deixam claro que o Fisco tem que identificar o interesse jurídico e individualizar cada ato praticado para responsabilizar”. diz Faro. Para ele, essas decisões são importantes precedentes para outros sócios que estejam vivendo essa mesma situação.
Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que houve mudança de entendimento na 3ª Turma da Câmara Superior, que analisou o mesmo caso de fraude no âmbito da “Operação Corrosão” em dois precedentes anteriores e, nesses acórdãos (nº 9303-011.937 e nº 9303-013.114), a responsabilidade solidária foi mantida, por maioria de votos.
Fonte: Valor Econômico