Tribunal de Justiça de São Paulo entende pela inconstitucionalidade da lei que restringe benefício apenas aos contribuintes que necessitam de adaptação no veículo. Juízes de primeira instância seguem mesmo entendimento
A lei Estadual nº 13.296 de 23 de dezembro de 2008, que disciplina o regime tributário do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, previa a isenção do referido tributo às pessoas com deficiência em seu artigo 13, inciso III. O texto legal previa que “é isenta do IPVA a propriedade: de um único veículo, de propriedade de pessoa com deficiência visual, mental severa ou profunda, ou autista.”
Entretanto, entrou em vigor, em 15 de outubro de 2020, a Lei nº 71.293/2020, conhecida como “Pacote Fiscal”, com diversas alterações nesta seara. Dentre elas, a alteração do artigo 13 supramencionado, que passou a vigorar com a seguinte redação: “É isenta do IPVA a propriedade: de um único veículo, de propriedade de pessoa com deficiência física severa ou profunda que permita a condução de veículo automotor especificamente adaptado e customizado para sua situação individual”.
Trocando em miúdos, a partir da edição da nova lei, somente serão beneficiados com a isenção do IPVA os condutores PCD que necessitarem de adaptações no automóvel. Ficam de fora, portanto, os beneficiados pela lei anterior, ou seja, os condutores autistas ou portadores de deficiência física, visual e mental, severa ou profunda, que são aptos a conduzir veículo sem quaisquer tipos de adaptação.
Neste cenário, por exemplo, o contribuinte que, por algum tipo de deficiência física, necessite apenas da utilização de câmbio automático, não terá o benefício da isenção do IPVA, tão somente por não haver nenhuma espécie de adaptação veicular.
Outro exemplo deixa claro a discriminação trazida pela alteração: uma pessoa PCD que não possua a perna direita precisará, além do câmbio automático, de adaptação para trocar os pedais do acelerador e freio, fazendo jus, portanto, à isenção do IPVA; por outro lado, se a pessoa não possui a perna esquerda, precisará apenas de câmbio automático, não fazendo jus à isenção.
A alteração legislativa é discriminatória e inconstitucional, ferindo direitos fundamentais, como a isonomia e a dignidade da pessoa humana, e princípios tributários, como a anterioridade ordinária e a nonagesimal. Em razão disso, a esfera jurídica foi acionada de diversas formas.
Panorama jurisprudencial
O Ministério Público do Estado de São Paulo, por meio de portaria de Instauração de Inquérito Civil, recebida em 24 de novembro de 2020, passou a apurar a alegação levada por contribuintes de eventual discriminação às pessoas com deficiência em razão da edição da Lei Estadual mencionada. Ademais, no dia 13 de janeiro do ano corrente, o próprio Ministério Público deflagrou Ação Civil Pública, requerendo o reconhecimento, incidentalmente, da inconstitucionalidade do trecho do artigo 13, inciso III, da Lei Estadual nº 13.296/2008, alterada pela Lei nº 17.293/2020, em relação à exigência concomitante – além de deficiência grave/severa – de que o veículo automotor seja especificamente adaptado e customizado para situação individual, para que se possa conceder a isenção de IPVA.
A liminar foi indeferida pela Magistrada Gilsa Elena Rios, da 15º Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, sob a fundamentação de que “quanto ao tributo IPVA, o fato gerador se renova a cada primeiro de janeiro, e a concessão da isenção sob a égide de uma determinada legislação, não concede ao contribuinte o direito adquirido à manutenção da isenção ou a manutenção das hipóteses de isenção nos anos subsequentes.”. Contra a decisão interlocutória que indeferiu a medida liminar pleiteada, o parquet interpôs recurso de agravo de instrumento, requerendo a concessão de efeito ativo em sede liminar.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, em Decisão Monocrática proferida em 22 de janeiro de 2021, deferiu a antecipação da tutela recursal, reconhecendo, a princípio, que a nova sistemática de isenção de IPVA para o contribuinte PCD traz exigência discriminatória indevida, ferindo a isonomia ao diferenciar os motoristas portadores de deficiência e os que possuem deficiência grave ou severa mas não necessitam de veículo adaptado.
Em decorrência do entendimento do TJSP, diversas demandas individuais foram ajuizadas.
Algumas comarcas em específico receberam demandas neste sentido, sendo que entenderam pela concessão da medida liminar os Juizes de Direito Rodrigo Ferreira Rocha, titular da 2ª Vara Cível de Votuporanga, Fernando Antonio de Lima, titular da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Jales e Tatiana Pereira Viana Santos, titular do Anexo do Juizado Especial da Fazenda Pública de São José do Rio Preto.
Algumas decisões merecem destaque
O primeiro destaque vai para a fundamentação da Sentença proferida pelo Juiz de Direito Fernando Antonio de Lima, em 25 de janeiro de 2021, que tratou em detalhes sobre os direitos fundamentais dos contribuintes PCD, bem como acerca do princípio da anterioridade ordinária e nonagesimal, declarando, ao final, inexigível o IPVA do exercício de 2021 em relação ao veículo do autor.
O segundo destaque vai para a decisão proferida pela Magistrada Tatiana Pereira Viana Santos, que em sede de Sentença confirmou a liminar anteriormente deferida e, além de reconhecer a inexigibilidade do IPVA no exercício de 2021, reconheceu, quanto aos exercícios futuros, que a circunstância do veículo da autora não ser especificamente adaptado e customizado, não pode ser considerada como óbice ao reconhecimento do direito de isenção do referido tributo.
Por fim, destaca-se o entendimento da Juíza de Direito Helen Cristina de Melo Alexandre, titular da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal de Itanhaém, que em sede de Sentença, além de julgar procedentes os pedidos, deferiu a tutela de urgência pleiteada, de forma a tornar prontamente exequível a decisão, proporcionando à autora a garantia imediata da inexigibilidade do IPVA no exercício corrente.
Conclui-se, portanto, que apesar da alteração legislativa, os juízes e Tribunais têm entendido pela manutenção da isenção do IPVA às pessoas com deficiência, ainda que não necessitem de adaptações veiculares específicas.
A equipe da Ferreira Lima Pompei Advogados mantém-se atenta às decisões dos Tribunais, bem como a todas as mudanças legislativas, e está pronta para assessorar os contribuintes, com fito de resguardar seus direitos da melhor maneira possível.
Vinícius Henrique Rodrigues é estagiário na Ferreira Lima Pompei Advogados. Graduado em Gestão Comercial. Discente do 5º ano do curso de Direito da Toledo Prudente. Pós-graduando em Direito Empresarial pela Faculdade Legale. Pós Graduando em Processo Civil pela Faculdade Cers (curso CEI). Pesquisador pela Toledo Prudente e UFES.