Em 20 de Março de 2020 o Senado Federal aprovou o pedido elaborado pelo Governo Federal de reconhecimento de estado de calamidade pública em decorrência da pandemia do COVID-19. O Decreto foi publicado no Diário Oficial no mesmo dia, tendo sido inclusive promulgado pelo Primeiro Vice Presidente do Senado Federal , no Exercício da Presidência, Senhor Senador Antônio Anastasia.
Os dados oficias do Ministério da Saúde atestam que até 26 de Abril de 2020 (pouco mais de 1(um) mês da decretação da calamidade pública) existem 58.509 casos confirmados da COVID-19, estando eles distribuídos entre todos os Estados da Federação, além do Distrito Federal, sendo a região sudeste a mais afetada (51% dos casos), tendo ocorrido o total de 4.016 mortes até o presente momento (Taxa de letalidade – 6,9%).
Em meio a todo o caos e o distanciamento social preventivo a qual nos encontramos, é possível refletirmos que a economia brasileira passa (para não dizer passava) por um período de reação, em virtude da retomada da confiança e alguns ajustes em diretrizes governamentais (reformas, cortes e etc.) isto em detrimento dos anos anteriores terem sido dificultosos, inclusive em razão da economia global. De maneira breve e sucinta acerca dos aspectos econômicos, o qual não é nosso cerne principal, temos um País com um grande endividamento, com arrecadação prejudicada devido à crise econômica a qual atravessamos e por conseguinte com orçamento baixo para uma mobilização a altura da crise na saúde pública, que infelizmente encontra-se apenas nos seus primórdios.
Diante deste quadro aterrador, é possível refletir que tal situação adversa e extremamente excepcional possibilita ao Governo Federal invocar exceções contidas no texto constitucional e na lei especial acerca de mecanismos que visem auxiliar na estabilização do momento.
Como explicitado, o Legislador Constituinte, positivou mecanismos a serem utilizados em situações estritamente excepcionais, haja vista que os mesmos se contrapõem a princípios basilares do Direito, em especial do Direito Tributário. Princípios estes que de forma objetiva, prestam-se a limitar à atuação Estatal e ao seu poder arrecadador, sendo este um mecanismo garantista no intuito de resguardar o direito e garantias dos cidadãos em face do Leviatã.
Dentre os princípios constitucionais tributários , nos debruçaremos apenas ao princípio da anterioridade e por conseguinte o princípio da anterioridade nonagesimal, bem como suas exceções.
a) Princípio da anterioridade
Referido princípio, encontra-se prescrito no art. 150, inc. III, “b”, da Constituição Federal de 1988, o mesmo possui o condão de vedar à União, Estados, Distrito Federal e aos Municípios, de cobrar/exigir tributos no mesmo “exercício financeiro ” em que fora publicada lei que o instituiu ou majorou.
b) Princípio da anterioridade nonagesimal
Diferente do princípio da anterioridade citado a priori, o qual foi incluído no nascedouro da Lei Magna, o princípio da anterioridade nonagesimal foi incluído através da Emenda Constitucional n° 42/2003, visando reforçar o princípio da anterioridade do exercício financeiro, estando contido no art. 150, inc. III, “c” da CF/88.
Seu escopo decorre da preservação incólume da segurança jurídica, previsibilidade e não surpresa, haja vista que muitos legisladores nos mais diversos rincões deste País, a fim de ludibriar o texto positivado pelo princípio da anterioridade, criavam/aumentavam tributo em 31 de dezembro e passava a ser cobrado no dia 01 de janeiro, poucas horas após adentrar no ordenamento jurídico.
Sendo o princípio da anterioridade nonagesimal, complementar, mas não indissociável ao princípio da anterioridade (exercício financeiro). Sua imperatividade não reside no exercício financeiro, mas sim na exigência da observância do prazo de 90 (noventa dias) da data em que foi publicada a lei que cria/aumenta tributo para sua entrada em vigor.
c) Exceções aos princípios da anterioridade e anterioridade nonagesimal
Nossa Constituição de 88, trousse as excepcionalidades em seu próprio art. 150, parágrafo 1º , bem como em outros artigos ao longo de seus dispositivos, onde cada princípio ora discorrido possui suas exceções, vejamos:
(i) Princípio da Anterioridade: Imposto de Importação (art. 153, I da CF), Imposto de Exportação (art. 153, II da CF), IPI (art. 153, IV da CF), IOF(art. 153, V da CF), Empréstimo Compulsório para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência (art. 148, I da CF), Impostos Extraordinários de Guerra (art. 154, II da CF), Contribuições de seguridade social, incluídas a contribuição para o PIS/PASEP e a CONFINS. (art. 195 da CF), CIDE, no caso de redução ou restabelecimento de sua alíquota por ato do Poder Executivo (art. 177, § 4°, I “b” da CF) e ICMS incidente em etapa única sobre combustíveis e lubrificantes, no caso de redução e restabelecimento da alíquota mediante convênios de ICMS, celebrados no âmbito do CONFAZ (art. 155, § 4º, IV, “c” da CF).
(ii) Principio da Anterioridade Nonagesimal: Imposto de Importação (art. 153, I da CF), Imposto de Exportação (art. 153, II da CF), Imposto de Renda (art. 153, III da CF), IOF(art. 153, V da CF), Empréstimo Compulsório para atender a despesas extraordinárias decorrentes da calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência (art. 148, I da CF), Impostos Extraordinários de Guerra (art. 154, II da CF). No que tange à fixação da base de cálculo temos IPVA (art. 155, III da CF) e IPTU (art. 156, I da CF).
Referidas excepcionalidades aos princípios ora postos, possuem singulares justificativas, como o caráter extrafiscal sendo instrumento regulador da economia e da política monetária e fiscal do País (II, IE, IPI, IOF); Período de exceção e necessidade de rápida mobilização (Empréstimo Compulsório e Imposto de Guerra) entre outras.
d) Tempos de Calamidade Pública e a exceção do Art. 148, I da CF/88.
Como narrado anteriormente, o escopo dos princípios abordados são evitar que o contribuinte seja surpreendido com a cobrança de um determinado tributo do dia para a noite, dando tempo para ele se programar para a nova exação que será cobrada.
No entanto, demonstramos que existem situações excepcionais, que legitimam atos das entidades arrecadadoras a suprimir a previsibilidade insculpida pelos princípios da anterioridade e anterioridade nonagesimal em detrimento de situações singulares.
Desta feita, diante do atual momento a qual atravessamos, onde temos o caos social instalado, agravado pelo abarrotamento do sistema único de saúde, ausência de recursos básicos hospitalares, depressão econômica motivada pelo lockdown e o desconhecimento quanto a melhor plano de ação contra este inimigo virulento – COVID-19. Se faz necessário refletir: “A União possuirá recursos financeiros suficientes para fazer frente aos gastos extraordinários necessários ao enfrentamento da pandemia!? Seria possível a instituição de Empréstimo Compulsório!?”
Diante de tais problematizações, bem como do todo exposto em relação as excepcionalidades, trazidas pelo Constituinte no que tange aos princípios da anterioridade e anterioridade nonagesimal, é possível afirmar que estariam presentes os requisitos de “despesas extraordinárias”, bem como o “estado de calamidade pública”, que justificam a instituição do Empréstimo Compulsório, na forma do artigo 148, I, da Constituição Federal, devendo inclusive seguir os mandamentos de tramitação de Lei Complementar no caso de instituição.
No entanto, tal oneração traria impacto sem precedentes aos contribuintes, haja vista a ausência de liquidez no mercado, seja pessoa física ou jurídica em decorrência da estagnação econômica ocasionada pela pandemia e seus efeitos colaterais.
Do ponto de vista técnico, analisando os requisitos e a situação fática posta, nos permite afirmar que toda arrecadação através da instituição do Empréstimo Compulsório, lhe obrigaria a utilização vinculada de tal receita com o enfrentamento da COVID-19.
No entanto, urge salientar, que referida excepcionalidade prevista no art. 148, I da CF/88, mesmo diante do preenchimento de seus requisitos autorizadores, como opinado acima, deve ser utilizada apenas quando demonstrado a real necessidade, devendo a UNIÃO apresentar toda justificativa para tal, bem como plano de ação no que tange a utilização de tais recursos, inclusive devendo ser respeitado os demais princípios constitucionais tributários, sob pena de estar se aproveitando do momento para irrigar seu caixa, as custas do contribuinte, em prantos.
João Paulo Batista Lima é sócio da Ferreira Lima Pompei Advogados, Especializando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET, Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Estudos do Direito da Energia – IBDE e Graduado em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente/SP.