Em 15 de março de 2017, o Supremo Tribunal Federal julgou o RE nº 574.706 e fixou a seguinte tese em repercussão geral: “O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS”. Entretanto, a União Federal opôs embargos de declaração contra tal decisão, requerendo a modulação de seus efeitos a partir da data do julgamento dos embargos, bem como, objetivando que o ICMS a ser excluído fosse o efetivamente pago.
Na última quinta-feira (13/05/2021), a Corte Constitucional finalizou o julgamento dos embargos de declaração. Por 8 x 3, restou definido que o ICMS a ser excluído da base de cálculo das contribuições é o destacado na nota fiscal, e não o efetivamente recolhido. Ficaram vencidos os votos dos ministros Nunes Marques, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.
Portanto, em relação a qual ICMS deve ser excluído da base de cálculo, o STF apenas ratificou o que já havia sido decidido em 2017 e vinha sendo aplicado pelos Tribunais.
Contudo, se por um lado os contribuintes se saíram vitoriosos sobre qual ICMS será excluído, por outro, a União saiu vencedora na modulação dos efeitos da decisão. Apesar de não ter conseguido a modulação a partir do julgamento dos embargos, como pretendido, o STF decidiu, também por 8 x 3, pela modulação dos efeitos da decisão a partir a partir de 2017. Ficaram vencidos os votos dos ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Marco Aurélio.
Isso significa que a decisão proferida somente terá efeitos a partir do dia 16 de março de 2017, com ressalvas às ações judiciais que, nesta data, já estavam em curso ou finalizadas. Dessa forma, se o contribuinte ingressou com a ação judicial em 2018, e ainda não houve o trânsito em julgado, ele somente poderá compensar os valores indevidamente recolhidos a partir de 16 de março de 2017.
Sem entrar no mérito da decisão, a problemática vislumbrada é a seguinte: como ficarão os casos ajuizados após 15 de março de 2017, mas já com trânsito em julgado das decisões que determinaram a restituição/compensação administrativa dos valores indevidamente recolhidos nos últimos 5 anos (e, portanto, abrangendo valores anteriores a 2017)?
Discute-se, portanto, se deve prevalecer a coisa julgada formada nos processos individuais, ou a modulação de efeitos decidida pelo STF.
Filiamo-nos, neste caso, à primeira hipótese.
Inicialmente, destaque-se que a proteção da coisa julgada possui fundamento constitucional, com previsão no artigo 5º, inciso XXXVI, que assim determina: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Dessa forma, a relativização da coisa julgada somente é admitida em hipóteses excepcionais.
Por este motivo, não se pode sequer cogitar na aplicação automática da modulação dos efeitos da decisão nos casos ajuizados após 15/03/2017 e já transitados em julgado. Se assim fosse, o STF estaria, em lote, rescindindo decisões transitadas em julgado, violando a segurança jurídica que serviu de fundamento para a modulação de efeitos.
Dessa forma, para que seja possível desconstituir a coisa julgada, seria necessário o manejo da ação rescisória, cujas hipóteses de cabimento estão previstas no artigo 966 do Código de Processo Civil.
Contudo, neste caso, entendemos não ser possível a desconstituição da coisa julgada nem mesmo por ação rescisória.
Isso porque a utilização de ação rescisória somente é admitia em situações absolutamente excepcionais, para evitar a manutenção dos efeitos de decisões teratológicas. Não se pode, assim, utilizar ação rescisória para impor modulação de efeitos realizada após a formação da coisa julgada material em processo individual.
Nesse sentido foi o entendimento firmado pelo STF ao julgar o RE 590.809, em que se definiu que a alteração superveniente de orientação jurisprudencial não pode ser qualificada como “hipótese de rescindibilidade do julgado a que se refere o inciso V do art. 485 do CPC” (atual artigo 966, inciso V). Aliás, o Relator Ministro Celso de Mello, naquela oportunidade, expressamente afirmou que “pela respeitabilidade das decisões do Supremo, pronunciamentos judiciais em harmonia com essas decisões não são rescindíveis”.
Veja-se que tal entendimento é plenamente aplicável na problemática ora suscitada. As decisões transitadas em julgado proferidas nos processos individuais ajuizados após 15 de março de 2017, desde que em consonância com o que fora decidido pelo STF naquela data, não podem ser rescindidas somente em razão da modulação de efeitos determinada no julgamento dos embargos de declaração.
Até mesmo porque, não se pode dizer que tais decisões transitadas em julgado violaram norma jurídica, especialmente quando considerado que a norma supostamente violada surge no ordenamento jurídico em momento posterior, quando de decisão que fixa a modulação dos efeitos.
Em outras palavras, tendo em vista que a modulação de efeitos se deu apenas com o julgamento dos embargos de declaração, ocorrido em 13/05/2021, as decisões transitadas em julgado antes desta data (desde que em harmonia com o entendimento firmado em 2017) não podem ser rescindidas, vez que não se enquadram na hipótese do artigo 966, inciso V, do Código de Processo Civil.
Não fosse suficiente, admitir ação rescisória contra tais decisões causaria indesejável segurança jurídica aos contribuintes que realizaram a restituição/compensação administrativa com fundamento na coisa julgada material formada antes da modulação de efeitos.
Nesse sentido, imperioso destacar que a segurança jurídica serviu de fundamento para a modulação dos efeitos da decisão proferida em 15 de março de 2017, sendo certo, então, que deve ser observada também para proteger a coisa julgada material formada nas ações judiciais ajuizadas após aquela data.
Dessa forma, apesar de o STF não ter decidido expressamente esta questão no julgamento dos embargos de declaração, é certo que a coisa julgada material formada em processos individuais ajuizados após 15 de março de 2017 não pode ser desconstituída por ação rescisória.
Laura Junqueira é estagiária no Ferreira Lima Pompei Advogados. Discente do 5º ano do curso de Direito da Toledo Prudente. Pesquisadora bolsista pela mesma Universidade. Integrante do projeto Jovens Processualistas.