A reforma tributária brasileira, formalizada pela Lei Complementar nº 214/2025 e pelo Projeto de Lei Complementar nº 68/2024, inaugura um novo modelo de tributação do consumo, com impactos significativos sobre as plataformas digitais.
Com a substituição do ISS, ICMS, PIS e Cofins pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), estabelece-se um sistema mais moderno e unificado.
Nesse novo cenário, as plataformas digitais assumem responsabilidades fiscais inéditas, especialmente na intermediação de operações eletrônicas, baseadas em critérios objetivos definidos em lei que consideram o grau de controle exercido sobre as transações. Para que uma plataforma seja considerada responsável, é fundamental que ela influencie aspectos decisivos da operação, como pagamento, entrega, termos comerciais e a experiência do usuário.
A legislação é clara ao excluir expressamente certas atividades desse enquadramento, evitando interpretações amplas e insegurança jurídica. Não se enquadram aqui o mero fornecimento de acesso à internet, o simples processamento de pagamentos, a publicidade que não esteja diretamente vinculada à transação, buscadores, comparadores de preços e serviços de hospedagem.
Contudo, os elementos de controle que a lei apresenta são exemplificativos. Isso significa que plataformas que, mesmo sem atuar diretamente nos pontos listados, exercem uma ingerência relevante na operação, inclusive por meio de tecnologias inovadoras, podem ser enquadradas – o que exige análise criteriosa, diante do risco de interpretações amplas e inseguras.
Essa estrutura, ao expandir o alcance da norma, exige uma atenção cuidadosa para garantir a segurança jurídica e delimitar com precisão os contornos dessa responsabilidade tributária. Nesse contexto, os precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça oferecem parâmetros relevantes para a interpretação da matéria.
Historicamente, o STF já reconhece a possibilidade de responsabilização dos marketplaces, desde que amparada por lei específica e compatível com a atuação dessas plataformas. No campo do ICMS, por exemplo, a Corte Superior afastou a bitributação entre Estados, ressaltando a importância de delimitar claramente o fato gerador para evitar conflitos de competência.
Já o STJ, por sua vez, firmou o entendimento de que a responsabilização de intermediários depende fundamentalmente de uma norma expressa, vetando categoricamente interpretações ampliativas que pudessem estender essa responsabilidade sem amparo legal explícito, o que favorece maior previsibilidade jurídica às empresas.
De fato, a reforma avança ao detalhar e ampliar as hipóteses de responsabilização, suprindo lacunas anteriores e incorporando diretrizes internacionais. Embora mais abrangente, o novo regime mantém critérios objetivos, limites normativos e garantias ao contribuinte, ainda que gere preocupação quanto à segurança jurídica diante de conceitos abertos e interpretações potencialmente expansivas.
Entre as inovações destacam-se as regras específicas para plataformas sediadas no exterior que intermediam operações sujeitas ao IBS e à CBS, as quais devem obrigatoriamente inscrever-se nos cadastros fiscais nacionais sob pena de sanções e restrições ao exercício de suas atividades. Prevê-se a existência de dois regimes de responsabilização, sendo o substitutivo aplicado quando o fornecedor também estiver no exterior, cabendo à plataforma o recolhimento integral do tributo sem direito de regresso, e o solidário, que ocorre nos casos de omissão fiscal do fornecedor nacional e permite à plataforma o direito de regresso.
Esse deslocamento de responsabilidade atribui às plataformas função auxiliar de fiscalização, exigindo controle rigoroso sobre as operações, uma vez que o descumprimento dessas obrigações pode resultar em multas expressivas e outras sanções – tornando essencial a adoção de práticas robustas de compliance tributário, com apoio em tecnologia e governança interna, além da necessidade de reavaliação contínua de riscos operacionais e jurídicos.
Destaca-se, ainda, a implementação do mecanismo de split payment, pelo qual o tributo é automaticamente segregado na liquidação financeira. Embora promova maior controle, o modelo demanda forte integração sistêmica e pode gerar impactos na margem operacional, sobretudo diante de divergências entre os valores transacionados e os efetivamente recolhidos.
Ademais, a nova estrutura também poderá resultar em aumento da carga tributária, em razão da alíquota uniforme e da ampliação da base de incidência, afetando setores antes beneficiados por regimes diferenciados. Em contrapartida, abre-se espaço para planejamento tributário legítimo e eficiente.
Diante disso, medidas como reestruturação da cadeia de fornecimento, aproveitamento de créditos, revisão de contratos e reorganização societária tornam-se instrumentos relevantes para mitigar riscos e promover eficiência fiscal.
Em síntese, a reforma inaugura um novo paradigma na tributação das plataformas digitais, aproximando o Brasil das práticas internacionais. A inclusão de plataformas estrangeiras e a exigência de conformidade reforçam o papel estratégico do compliance, enquanto a tecnologia se torna elemento central na adaptação ao novo regime.
A atuação consultiva qualificada torna-se, portanto, essencial neste momento de transição, uma vez que a análise dos impactos específicos da reforma em cada modelo de negócio, aliada à definição de estratégias seguras e personalizadas, será determinante para garantir conformidade, minimizar contingências e manter a competitividade das plataformas no ambiente digital.
A equipe Ferreira Lima Pompei Advogados está sempre atenta às decisões dos Tribunais, bem como as mudanças legislativas, e está pronta para auxiliar os contribuintes, com fito de resguardar seus direitos da melhor maneira.
Beatriz Alves Lorenzon é advogada na Ferreira Lima Pompei Advogados. Especializanda em Direito Digital pela Instituição Legale. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente/SP.